Atendendo a pedido do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de outras 11 organizações da sociedade civil, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizou, dia 6, audiência pública para analisar violações ao direito à informação contra grupos historicamente marginalizados no Brasil. Foram relatados ataques a comunicadores e o uso político dos sistemas de comunicação, além da falta de transparência em relação à pandemia e outros temas. Foi apresentado levantamento que mostra mais de 150 ataques à imprensa no primeiro semestre deste ano.
Os integrantes da CIDH se disseram “impactados” com as denúncias de aprofundamento das violações à liberdade de expressão e de imprensa e ao acesso à informação durante a pandemia.
Representantes do Governo Bolsonaro alegaram que a violência a jornalistas é “divergência de opinião” e que medidas de isolamento social durante a pandemia “feriram direitos” da população. Os casos foram apresentados durante o 177º período de audiências da entidade.
Os comissários da CIDH Joel Hernández García e Julissa Mantilla manifestaram preocupação com os relatos de violência de gênero e ataques misóginos feitos contra mulheres jornalistas. Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de São Paulo, foi alvo de um ataque massivo na internet que incluiu ofensas proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro e por sua família. “Quero expressar meu total rechaço aos ataques a jornalistas, seja por gênero, seja por raça. Isso depõe contra os fundamentos de uma sociedade democrática. O Estado tem a obrigação de respeitar e de garantir os direitos humanos. Faço um chamado para que essas ações de caráter misógino cessem”, declarou Hernández García.
Jornalistas expuseram ataques
Patrícia informou que a decisão dos principais veículos de imprensa de suspender o envio de seus profissionais ao cercadinho do Palácio do Alvorada foi consequência de uma política sistemática de intimidação de jornalistas. “A situação é especialmente crítica para as jornalistas mulheres. Somos alvo de campanhas de difamação estimuladas e amplificadas pelo governo. Desde fevereiro deste ano, circulam pela internet milhares de memes em que o meu rosto aparece em montagens pornográficas, me chamando de prostituta e fazendo alusões a órgãos sexuais. Recebo mensagens de pessoas dizendo que ofereço sexo em troca de reportagens e que deveria ser estuprada”, relatou.
Pedro Borges, editor-chefe da agência de notícias Alma Preta, denunciou que foi atacado, em maio de 2020, pelo presidente da Fundação Cultural Palmares, Vanderlei Lourenço, que o descreveu como “racialista, vitimista, segregacionista, antibranco, defensor de bandidos”. A Fundação é um órgão público que tem como missão promover e valorizar a cultura negra. “A falta de informação pública impossibilita a plena execução do trabalho jornalístico e promove o cerceamento da liberdade de expressão”, reclamou Borges.
Governistas contra-atacaram
O secretário-adjunto de políticas globais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Alexandre Magno Fernandes Moreira, afirmou que o Estado brasileiro garante o direito à liberdade de imprensa, protegido constitucionalmente por meio do artigo 5º, incisos IV e IX. Felipe Cruz Bredi, ex-assessor da Casa Civil e do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e atual secretário de Comunicação Institucional do governo federal, acusou as organizações presentes à audiência de censurar jornalistas e especialistas que defendiam posições contrárias àquelas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Retrucando as alegações do governo, Camila Konder, da Repórteres Sem Fronteiras, mencionou levantamento da Artigo 19 com 449 violações contra jornalistas e comunicadores cometidas por agentes do governo federal, nos últimos 20 meses. “Praticamente uma vez por dia, desde janeiro de 2019, o presidente, seus filhos, senadores, deputados e ministros atacam a imprensa”, afirmou. Ela destacou a fala de Bolsonaro prometendo encher de porrada um repórter de O Globo.
Entidades denunciantes
Além da Contee, Barão e Abraji, a audiência foi solicitada pela Anistia Internacional, Artigo 19, Coalizão Direitos na Rede, Coding Rights, Conectas Direitos Humanos, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Instituto Vladimir Herzog (IVH), Repórteres sem Fronteiras (RSF) e Terra de Direitos.
As organizações já haviam feito reivindicação à Comissão no início deste ano, referente à violações contra a liberdade de imprensa que partiam do presidente da República. Os representantes do governo federal afirmaram, na audiência ocorrida no Haiti, que cumprem as recomendações da cartilha de proteção a comunicadores e observam a proteção desses profissionais por meio da Portaria 300/2018 do Ministério de Direitos Humanos. A CIDH manifestou preocupação com o cenário e recomendou que o Estado se atentasse mais às garantias de liberdade de expressão.
O novo Relator Especial para Liberdade de Expressão da CIDH, o colombiano Pedro Vaca, deplorou a falta de avanço do que foi discutido na audiência realizada há sete meses. “Os discursos estigmatizantes, proferidos pelo Estado brasileiro, podem desencadear autocensura, especialmente entre ativistas e jornalistas”, alertou.
A CIDH é um órgão consultivo da Organização dos Estados Americanos (OEA), encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. A gravação da audiência está disponível no perfil da CIDH no Facebook.
Carlos Pompe, com informações da Abraji e da CIDH