Na Bolívia, após o golpe de Estado que levou Evo Morales e Álvaro García Linera à renúncia e ao exílio, a polícia, os militares e grupos de extrema direita protagonizaram atos violentos contra funcionários de governo, parlamentares e lideranças políticas do Movimento Ao Socialismo (MAS-IPSP). Passado quase um ano desses eventos e com data prevista para as próximas eleições, a perseguição política, no entanto, não cessou.
À medida que avança o calendário, multiplicam-se os ataques a sedes de campanha do MAS. Na última quarta-feira (30), simpatizantes do MAS paralisaram o ato de abertura de uma sede de campanha no norte da cidade de Cochabamba, capital do estado homônimo, região cocaleira no centro do país, ao serem alvos de bombas de gás lacrimogêneo. Há 10 dias, uma ação similar já havia sido denunciada no município de Chimba, também em Cochabamba.
:: Perseguição a aliados de Evo é rotina em Santa Cruz, um dos berços do golpe boliviano ::
O ex-presidente Evo Morales denunciou que a violência generalizada faz parte da estratégia da direita. “Fazemos um chamado à comunidade internacional para que esteja atenta às tentativas de golpe do governo de facto de gerar episódios de violência para evitar que hajam eleições. A nossos compatriotas pedimos que não caiam em provocações”, publicou.
A Defensoria do Povo propôs ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) um plano para proteger a integridade física dos militantes organizados. O documento entregue há uma semana propõe um acordo nacional com as forças políticas que disputam as eleições para garantir que os comícios se realizem com respeito e tolerância e que o resultado será reconhecido por todos os postulantes.
“Queremos que a população possa votar em liberdade, sem medo e que se respeite o seu voto”, declarou Nadia Cruz, defensora pública.
Além da violência, tanto grupos de extrema-direita, como autoridades do governo interino buscam impedir as candidaturas mais competitivas do Movimento Ao Socialismo.
Começando pelo ex-presidente Evo Morales, que tentou se postular ao Senado e foi impedido pelo TSE por supostamente não cumprir com os pré-requisitos, criados pelo organismo eleitoral para essas eleições. Uma das 12 exigências estabelece que os candidatos não poderiam mudar de domicílio, impedindo que todos os membros do antigo governo que estão em asilo político possam concorrer. O presidente do Poder Eleitoral, Salvador Romero, ainda declarou que a decisão era “inapelável”.
Sob o mesmo argumento, o ex-chanceler Diego Pary (2018 – 2019) também foi impedido de concorrer à Assembleia Legislativa Plurinacional. Pary havia deixado a Bolívia em novembro de 2019, logo após o golpe de Estado, mas voltou em janeiro de 2020 para a campanha ao Senado.
Situação similar viveu Adriana Salvatierra, que pretendia disputar uma cadeira como deputada pelo estado de Santa Cruz, fronteiriço com o Brasil. Salvatierra foi a senadora e presidenta da Assembleia Plurinacional da Bolívia mais jovem da história do país. Ela renunciou ao cargo, acompanhando Morales, em outubro do ano passado.
Apesar de apresentar toda a documentação, as autoridades eleitorais afirmaram que a militante do MAS descumpriu 11 dos 12 requisitos necessários para o registro.
“Salvador Romero trabalha diretamente com o governo de facto. Também com Carlos Mesa e todo o grupo que armou um complô contra Evo Morales. Então é uma medida netamente política. Acredito que Romero não atuou de acordo com o código eleitoral, mas atendeu a pressões do governo”, analisa o politólogo boliviano Yecid Velasco.
No dia 20 de setembro, a ex-senadora também entregou um pedido de resguardo ao Ministério Público pelas constantes ameaças durante a campanha eleitoral no seu estado de origem, Santa Cruz, região historicamente opositora ao governo Morales – Linera. No documento detalha como a aliança Creemos, liderada pelo candidato Luis Fernando Camacho – um dos protagonistas do golpe – atacou uma caravana do Movimento ao Socialismo, lançando pedras e ferindo manifestantes.
A chapa presidencial, formada por Luis Arce e David Choquehuanca, também sofreu ameaças de inabilitação já no início de 2020, quando ainda se planejava celebrar eleições em março. A justificativa era de que os dois postulantes estavam “constantemente fora do país”, em referência às atividades do seu partido político na Argentina, onde Evo Morales está exilado.
Até o momento não encontraram uma única prova de que houve fraude.
Arce e Choquehuanca foram figuras-chave do governo anterior. Luis Arce Catacora foi ministro de Economia entre 2006 e 2019, responsável por promover políticas que levaram a Bolívia a se posicionar como o país com maior crescimento econômica da região. Justamente por exercer essa função, enfrenta um processo judicial acusado de desvio de dinheiro do Fundo de Desenvolvimento Indígena. A ação não avançou por falta de provas.
David Choquehuanca foi ministro de Relações Exteriores de 2006 a 2017 e secretário geral da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba-TCP) de 2017 a 2019.
“Há uma tentativa de prescrição do MAS e isso se expressou desde o início quando tentaram suspender a legenda eleitoral do partido, depois da suposta fraude nas eleições de outubro do ano passado. Até o momento não encontraram uma única prova de que houve fraude, foi uma tramoia planejada muito antes da eleição”, comenta Yecid Velasco.
:: Aliado de Evo Morales, Luis Arce venceria em 1º turno na Bolívia, segundo pesquisa ::
Os pedidos de suspensão da candidatura se mantiveram até setembro, quando a data das eleições foi adiada para o dia 6. Nesse período, o MAS denunciou o governo de Jeanine Áñez a organismos multilaterais.
“É lamentável que queiram fazer uma guerra judicial a nosso candidato em torno de calúnias e difamações”, afirmou a militante do MAS e atual presidenta da Assembleia Plurinacional, Eva Copa.
Com apoio popular, a chapa do MAS se manteve na disputa e a menos de 20 dias para as eleições, permanece como favorita em todas as pesquisas de opinião com cerca de 26% das intenções de voto.
No entanto, para o analista político boliviano Yecid Velasco, a realidade pode ser ainda mais favorável ao partido de Evo Morales, já que a maioria das pesquisas não são realizadas nas zonas rurais do país, onde o MAS tem maior apoio.
Jeanine Áñez se posicionava como a quarta colocada na disputa, por isso abandonou a candidatura, convocando “unidade contra o MAS”. Desde então, funcionários do seu governo têm novamente gerado dúvidas sobre o processo.
O ministro de governo Arturo Murillo se reuniu na última quarta-feira (30) com o secretário geral da OEA, Luis Almagro, afirmando que o governo teme uma fraude no dia 18 de outubro, apesar de que todo o poder eleitoral foi reformado pela gestão de Áñez.
“A possibilidade de fraude é latente, palpável. Já se demonstrou com essa intenção de anular a sigla do MAS e inabilitar o candidato presidencial. Com a experiência de outubro, a OEA já sabe como pode fraudar as próximas eleições. Por isso que os candidatos do MAS têm incentivado a que as pessoas tomem foto das atas de eleição, porque o poder eleitoral buscará manipular o processo para, pelo menos, chegar ao segundo turno”, afirma Velasco.
“A possibilidade de fraude é latente, palpável. Já se demonstrou com essa intenção de anular a sigla do MAS e inabilitar o candidato presidencial. Com a experiência de outubro, a OEA já sabe como pode fraudar as próximas eleições. Por isso que os candidatos do MAS têm incentivado a que as pessoas tomem foto das atas de eleição, porque o poder eleitoral buscará manipular o processo para, pelo menos, chegar ao segundo turno”, afirma Velasco.
Edição: Rodrigo Chagas
Foto: No final de setembro, grupos de extrema direita atacaram atos de campanha do MAS no estado de Cochabamba. – Reprodução
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