Por Eduardo Maretti, da RBA
São Paulo – Com direito a Hino Nacional na voz do cantor Fagner, que apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018 e depois se disse arrependido, o ministro Luiz Fux tomou posse, nesta quinta-feira (10), do cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Com a ausência do decano, Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio Mello fez o discurso como integrante mais velho da Corte. Celso foi nomeado pelo então presidente José Sarney em 1989, enquanto Marco Aurélio chegou ao Supremo no governo de Fernando Collor, em 1990.
Na cerimônia, o presidente da República, Jair Bolsonaro, ouviu de Marco Aurélio uma defesa veemente do Estado de direito, atacado pelo clã do chefe de Estado sistematicamente, desde antes de sua eleição. “Não se avança culturalmente fechando a Constituição Federal, sob pena de vingar a lei do mais forte. A prevalecerem pinceladas notadas, para não falar em traulitadas de toda ordem, aonde vamos parar? Não se sabe. O horizonte é sombrio”, disse o ministro.
No discurso, Marco Aurélio repetiu expressão que já usou em outras ocasiões. “Constatamos tempos estranhos. De controvérsia política, crise econômico-financeira e efeitos de pandemia sem precedentes”, disse.
Governo autoritário
Segundo o ministro, “o preço a ser pago por viver em um Estado democrático de direito é módico”. “Fora da carta da República não há salvação, apenas arbítrio e autoritarismo de toda espécie”, afirmou. Bolsonaro é acusado sucessivamente de ameaçar as instituições e a democracia.
Com seu grupo político ameaçado pelo inquérito das fake news, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro invocou o artigo 142 da Constituição para defender que as Forças Armadas possam intervir para “restabelecer a ordem no Brasil”, segundo ele próprio, na famosa reunião ministerial de 22 de abril.
Ainda na campanha eleitoral de outubro de 2018, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou: “se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”.
Apoiadores de Bolsonaro também disseminaram nas redes sociais ataques ao STF e chegaram a realizar um ato simbólico de ataque à Corte, ao atirar fogos de artifício em direção à instituição, simulando um bombardeio.
Área social
Em crítica à política de Bolsonaro e seu governo no campo social, Marco Aurélio também foi enfático, na posse do colega Fux. “Na Constituição Federal existem promessas, sobretudo no campo social, pendentes de implemento”, disse. “Vossa excelência foi eleito com 57 milhões de votos. Mas é presidente de todos os brasileiros.”
Ele também atacou de maneira evidente o comportamento do chefe de Estado ante a pandemia. “Imprescindíveis são homens e mulheres que cumpram as leis. O cidadão comum adota como parâmetros a conduta das autoridades legitimamente constituídas”, disse.
Entre atitudes consideradas passíveis de crime de responsabilidade, Bolsonaro chamou a doença de “gripezinha”, promove aglomerações e vetou a obrigatoriedade de uso de máscaras em locais público. A infectologista da Unicamp Raquel Stucchi, à época do veto, se disse “chocada” com a medida. “Coloca em xeque a ciência e vai expor as pessoas que veem nele alguém a ser seguido a um risco maior de adoecimento”, afirmou a especialista. Hoje, a covid-19 já infectou 4,2 milhões de brasileiros e matou cerca de 130 mil pessoas no país, que só fica atrás dos Estados Unidos nesses números.
“O Brasil precisa de homens e mulheres públicos de grande concentração, precisa de mais apego à Constituição Federal. Há de prevalecer não a vitrine, mas a percepção da realidade, afastado o enfoque daqueles que não se mostram compromissados com o amanhã, com dias melhores”, afirmou Marco Aurélio.
Até Fux
No discurso de posse no STF, Luiz Fux fez a defesa do combate à corrupção e mencionou o julgamento do “mensalão” e operação Lava Jato como exemplos. Mas ele também dirigiu palavras duras a Bolsonaro, embora mais sutis, demonstrando coesão no interior do tribunal em defesa dos direitos humanos, das minorias e das instituições democráticas.
Fux defendeu a “Constituição cidadã (termo criado por Ulysses Guimarães, que foi o presidente da Assembleia Nacional Constituinte), sociedade fraterna, pluralista e despida de preconceitos”.
Bolsonaro já foi condenado, no Superior Tribunal de Justiça, por danos morais contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Posteriormente, o ministro Marco Aurélio negou recurso no STF à decisão que condenou Bolsonaro no STJ.
Na votação do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, Bolsonaro dedicou seu voto ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi na ditadura (1964-1985), a quem chamou de “herói nacional”, já como presidente da República.
Descendente de judeus, Luiz Fux também homenageou no discurso de posse como presidente do STF seus “antepassados dizimados em campos de concentração”.
Edição: Fábio M. Michel
Rede Brasil Atual