Por José Álvaro Cardoso
Por conta da crise econômica e dos golpes de Estado, que atingiram quase todo o subcontinente, a situação política na América Latina é instável e caracterizada por grande polarização. Com a crise mundial, para o imperialismo não foi mais possível conviver com governos reformistas e nacionalistas, que atrapalhavam as intenções dos EUA na região. A crise econômica mundial tornou imperativa uma política geral de guerra contra os direitos da população. Governos de esquerda, mesmo que moderados, são sempre obstáculos importantes a implementação deste tipo de política, mesmo porque chegaram ao poder respaldados pelo voto. Obviamente que esse tipo de política antipopular gera uma instabilidade muito grande, na medida em que uma parcela expressiva da população (mais consciente) se nega a seguir para o matadouro, sem lutar.
No Brasil, os golpistas diziam que era tirar Dilma Roussef que o crescimento econômico e os investimentos internacionais retornariam, como num passe de mágica. Dado o golpe, com a grande farsa do impeachment, o governo Michel Temer foi um verdadeiro show de horrores, com continuidade na política de destruição do Estado e um retumbante fracasso na economia. Para “fechar” o processo golpista, fraudaram as eleições de 2018, apoiados numa operação gestada no Departamento de Estado norte americano, a Lava Jato (cada vez mais desmoralizada pelo oceano de denúncias), entrou Bolsonaro e a coisa só piorou. Com o advento da pandemia, logo de saída ficou evidenciado que Bolsonaro é o pior governo da história do país, uma penitência cruel, que o povo brasileiro jamais mereceria.
Passados quatro anos do golpe de 2016 no Brasil (tomando o impeachment de Dilma Roussef como referência. Claro que as articulações começaram antes.), é evidente a degradação do regime político vigente. Era inevitável que isso acontecesse já que os governos pós Dilma são frutos da liquidação do pouco de democracia que o país usufruía até o golpe. Com as denúncias recentes, principalmente acerca da Lava Jato, até as pedras já sabem disso. Por isso muitos agora querem limpar a própria biografia, querendo dar a impressão de que nada tiveram com o golpe.
O fato é que o golpe levou a um retrocesso político e econômico muito grande. O país está nas mãos de uma direita terraplanista completamente lunática, e dos militares. O fato coloca um risco concreto não só de um golpe militar aberto, numa eventual piora ainda maior da situação econômica, mas da instalação de um regime fascista. Para o qual, inclusive, o fato do núcleo de poder federal já ser fascista, contribuiu enormemente.
Enquanto somos distraídos pelos crimes menores dos golpistas (tipo “rachadinha”), há uma direitização constante do regime, com perdas de direitos, assassinatos de líderes populares, destruição dos sindicatos, etc.. Ao mesmo tempo, em meio a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, avançam as chamadas reformas neoliberais, sobre as quais há total unidade da burguesia. Por exemplo, acabaram de aprovar no Congresso o novo marco regulatório de água e saneamento no Brasil, que abre o setor para as empresas privadas.
Um outro exemplo de como a direita avança enquanto nos distraímos. Pela Lei Orçamentária Anual – LOA/2020, estão previstos R$ 409,6 bilhões para o pagamento de “Juros/Encargos da Dívida Pública” neste ano. Quase meio trilhão de reais. Isso representa 1,1 bilhão de reais todo santo dia, somente este ano. Se transfere todo ano, bilhões e bilhões para algumas centenas de rentistas (que em boa parte nem moram no Brasil). Somente os gastos com os juros e encargos da dívida pública deste ano já totalizam um valor superior ao que o governo espera arrecadar com a torra de patrimônio púbico. E, praticamente, nem se fala nisso.
Apesar do evidente avanço dos golpistas no Brasil (e em toda a América Latina), eles não conseguiram dar uma estabilidade política ao país, há grande polarização política no país. A instabilidade está relacionada diretamente com o fato de que eles não conseguiram dar uma saída para a crise econômica. E o seu programa de governo, que se resume a destruir direitos e entregar patrimônio, obviamente tendem a piorar a situação no médio prazo.
Como há uma crise internacional muito profunda, o sistema financeiro mundial (que comanda verdadeiramente o processo no Brasil), quer mais. A grande mídia, e os setores conservadores em geral, reclamam, inclusive, do fato de que as privatizações não estão caminhando. Ou seja, toda a destruição de direitos, o enfraquecimento dos sindicatos, a entrega de patrimônio, o enfraquecimento da Petrobrás, tudo isso não significa uma saída que satisfaça os setores que financiaram e deram o golpe no Brasil.
Na outra ponta da corda a população come o pão que o diabo amassou. Segundo a pesquisa Pnad Covid-19, do IBGE, a taxa de desemprego chegou a 13,7% na última semana de julho. São 12,9 milhões de desocupados, 3 milhões a mais do que na primeira semana de maio, quando a taxa de desocupação estava em 10,5%. Além dos quase 13 milhões de desempregados, 28 milhões gostariam de trabalhar, mas foram considerados fora da força de trabalho na última semana de julho, por não terem buscando ativamente uma ocupação. Ou seja, numa população ocupada de 81 milhões, no final de julho o país tinha mais de 40 milhões de desempregados e aqueles que gostariam de trabalhar, mas não buscaram ocupação por alguma razão. Isso, em meio à uma pandemia que já matou quase 110.000 pessoas no país, boa parte delas por incompetência e descaso governamentais. Neste quadro, é impossível haver estabilidade política no país.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.