Por José Reinaldo Carvalho (*)
Ninguém mais tem dúvidas sobre a centralidade da grande rivalidade geopolítica da nossa época, entre os Estados Unidos e a China. É uma luta visível em todos os terrenos, como temos reiteradamente assinalado neste espaço.
A concorrência manifesta-se também no plano militar, em que os Estados Unidos têm a inconteste liderança mundial, com propósitos agressivos. Cada um à sua maneira e de acordo com as circunstâncias próprias do momento político, todos os presidentes estadunidenses, sejam democratas ou republicanos, proclamam a luta pela manutenção da primazia militar da superpotência no mundo. E em nome desse “princípio”, vão às últimas consequências, invadindo países, massacrando populações, devastando territórios. Não se apagou da memória coletiva o crime de lesa-humanidade cometido há exatos 75 anos pelo imperialismo estadunidense no epílogo da Segunda Guerra Mundial – o ataque com bomba atômica às cidades japonesas de Hiroxima e Nagasaki. Os Estados Unidos nunca pediram perdão pelo crime cometido em 6 de agosto de 1945, como tampouco jamais declararam que não serão o primeiro país a fazer uso das armas nucleares.
O atual inquilino da Casa Branca não faz segredo da sua concepção de que no tratamento dos conflitos, “todas as opções estão sobre a mesa”. Descontadas as bravatas e o momento pré-eleitoral, Trump não está brincando, mas falando o que pensa. Por isso, os países que são hostilizados e ameaçados pelos Estados Unidos compreendem que devem se defender. E aqueles que podem, o fazem com convicção e maestria.
Isto explica o ânimo do presidente chinês, Xi Jinping, que em reunião de alto nível na semana passada com destacados dirigentes do Partido Comunista, do Estado chinês e da Comissão Militar Central, que ele também preside, comemorou os avanços do país na defesa nacional e na modernização das forças armadas.
Tal como o desenvolvimento econômico e social, a defesa e a segurança foram proclamadas como essenciais a fim de construir o “socialismo com características chinesas” e realizar o “sonho chinês” de “revitalização nacional”. Os esforços pela prosperidade nacional devem “andar de mãos dadas” com o empenho do Partido Comunista e os órgãos estatais concernentes pelo fortalecimento das forças armadas e todo o sistema de defesa do país.
A novidade desta recente reunião da liderança comunista chinesa foi a ênfase em transformar o exército chinês em uma força de categoria mundial, o que significa estar militarmente à altura dos atuais desafios no plano mundial. Nada mais lógico, porque são perceptíveis as ameaças à paz e à segurança da grande nação asiática e ao seu entorno regional, haja vista os acontecimentos em Hong Kong, as provocações emanadas da parceria entre os EUA e Taiwan e a ostensiva presença de belonaves estadunidenses no Mar Meridional da China. Acresce a isso a sempre pendente questão nuclear na Península Coreana, onde os EUA não só mantêm presença militar, como realizam periodicamente com a Coreia do Sul simulações de guerra contra a vizinha República Popular Democrática da Coreia.
São fatos que os comunistas chineses, que dirigem o Estado nacional, certamente tomam em consideração quando afirmam que a segurança da China enfrenta crescentes incertezas e fatores desestabilizadores, impondo um forte sentido de urgência nos esforços para dar um salto de desenvolvimento na modernização da capacidade de defesa nacional.
O impulso à modernização das forças armadas chinesas faz parte do novo momento da presença do país no mundo e da sua cada vez maior assertividade nas relações diplomáticas. A China hoje dispõe de condições mais favoráveis para desenvolver um relacionamento multilateral com todos os países nos planos bilateral e multilateral, e com todas as organizações do sistema internacional, a começar pela Organização das Nações Unidas e todas as suas agências, passando pela miríade de blocos políticos e econômicos do mundo atual.
Hoje o comércio chinês tem como principal vetor a iniciativa denominada Um Cinturão e Uma Rota. O país é ativo, entre outros, em blocos e fóruns, como o Brics, a Organização para a Cooperação de Xangai, o G20, a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), a Conferência sobre Interação e Medidas de Construção da Confiança na Ásia (Cica), o Fórum de Cooperação China-África (Focac) e o Fórum China-Celac, de cooperação com os países latino-americanos e caribenhos, inclusive o Brasil.
O escopo é a edificação de uma “comunidade de destino comum da humanidade”, a promoção da paz e do desenvolvimento mundial.
O 19º Congresso do Partido Comunista da China, realizado em outubro de 2017 assinalou em uma de suas resoluções que o país deve “persistir na visão holística sobre a segurança nacional” […], “fortalecer o senso de adversidade e pensar no perigo em tempos de paz” […], “levar em consideração de forma coordenada a segurança externa e interna, a segurança do território e do povo, a segurança tradicional e não tradicional, e a segurança do nosso próprio país e a segurança comum do mundo”. […] O sonho do povo chinês está intimamente ligado ao sonho de todos os outros povos do mundo, e a realização do sonho chinês não pode prescindir de um ambiente internacional pacífico e uma ordem internacional estável.
A paz é o sonho de toda a humanidade, incompatível com as ameaças de guerra do imperialismo estadunidense.
(*) Jornalista, editor da Página Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB. Secretário Geral do Cebrapaz