Por Marcos Aurélio Ruy
Obras disponíveis na plataforma Netflix podem ajudar a suportar a quarentena com mais sobriedade. Sem perder a ternura, mas raciocinando e agindo como puder para transformar o mundo num lugar bom para todos, neste que alguns chamam de o “novo normal” após a superação da pandemia do coronavírus. Que esse novo realmente seja novo e traga respeito, cidadania, comida, trabalho, diversão e arte sem concentração de riquezas em pouquíssimas mãos ou bolsos.
“Um Reino Unido” (2016), dirigido por Amma Asante, retrata uma história real de Botsuana, então um protetorado britânico, uma designação um tanto chique para colônia. O país africano podia ter o seu governo, mas quem mandava para valer eram os designados pela coroa do país europeu.
Além de contar a história do herdeiro do trono do país africano, Seretse Khama (David Oyelowo) e Ruth Williams (Rosamund Pike). Os dois se conheceram em Londres, onde Seretse foi estudar e se apaixonaram e casaram. Na volta ao país, enfrentaram o racismo dos europeus e a desconfiança dos nativos. Então chamado de Bechuanalândia, um dos países mais pobres da África.
A pobreza claramente relacionada com a dominação estrangeira e os interesses britânicos na vizinha África do Sul, que acabava de instaurar o apartheid, regime de segregação racial. Com todo esse pano de fundo, a cineasta inglesa consegue mostrar com clareza as relações de dominação colonial com governantes dizendo sempre sim aos seus “protetores” (qualquer semelhança com o Brasil de 2020, será mera coincidência?).
Com a descoberta de diamante em seu território, por mineradoras estadunidenses, Seretse joga com os britânicos e traz o povo para o cenário em busca da independência, conquistada em 1966.
Atualmente Botsuana é um das repúblicas mais desenvolvidas economicamente do continente africano. O que mostra a importância da independência para um país progredir com soberania. Ao contrário do que faz o atual presidente brasileiro, que se submete aos interesses dos Estados Unidos.
Impossível não pensar no documentário de Petra Costa, “Democracia em Vertigem” (2019). A cineasta mineira consegue mostrar com rara felicidade o trágico episódio do impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. Foi o início do golpe à jovem democracia brasileira.
A elite carcomida do país se uniu, com amplo apoio midiático, contra os governos populares que vinham governando desde 2003. A eleição de Jair Bolsonaro em 2018, também com amplo apoio midiático, foi o golpe fatal à democracia, com a chegada, pela primeira vez no Brasil, da extrema-direita ao poder.
O roteiro mistura memórias e percepções pessoais da cineasta com registros mostrando a ascensão e queda da esquerda no poder, representada pelo PT. Finaliza com a nomeação de Sergio Moro (hoje não mais) para o Ministério da Justiça e Segurança Pública em contraponto com a permanência do ex-presidente Lula na prisão (também não mais).
“Dhanak” (2016) é um filme infantil indiano, dirigido por Nagesh Kukunoor. Um conto de fadas no embalo da imaginação de um casal de irmãos órfãos para superar a cegueira do menino, causada por uma doença aos 4 anos de idade.
Os dois dão um show de interpretação. Pari (Hetal Gada) e Chotu (Krrish Chhabria) fazem da fantasia a sua norma de vida. Mesmo vivendo na pobreza com os tios. Como os olhos de Chotu, Pari decide repetir dois anos na escola para ficarem na mesma sala e assim poder ajudar o irmão.
O filme mostra uma Índia em transformação de suas tradições milenares de casamentos arranjados e meninas impedidas de estudar para serem somente esposas. Quando a tia decide tirar a menina da escola, a professora tenta interferir e se usa como exemplo da mudança em marcha no país asiático.
Quando Pari decide fugir com o irmão para cumprir a sua promessa de lhe devolver a visão quando ele completasse 9 anos e o aniversário estava bem próximo. Dhanak mostra a necessidade de as crianças viverem em ambiente saudável, em segurança e sem maus-tratos para poderem dar asas à criatividade e aos sonhos próprios dessa importante fase da vida.
Mostra também que os perigos se escondem por trás de máscaras (que não combatem a Covid-19) e que o mal pode estar onde menos se imagina, com pessoas que falam em nome de Deus, por exemplo.
O longa japonês, “37 Segundos” (2011), dirigido por Hikari, mostra a sensibilidade da diretora ao tratar de forma delicada, sem cair em sentimentalismos, da necessidade de deficientes serem incluídos na vida social em condições de igualdade, tanto no mundo do trabalho como em toda a vida.
Que diferença 37 segundos podem fazer na vida de uma pessoa? Dependendo da situação o suficiente para definir limitações. Mas nem todo tempo do mundo pode barrar a determinação para levar a vida com gana e sabedoria.
Yuma Takada (Mei Kayama), uma criadora de mangás (quadrinhos muito populares no Japão), luta por sua autonomia diante de uma mãe superprotetora e, principalmente, da falta de ética em seu trabalho.
Tudo o que as pessoas com deficiência querem é terem condição de viver como qualquer pessoa e para isso precisam de algumas condições específicas, que o Estado e a sociedade têm obrigação de proporcionar. Uma importante lição de vida e de superação com delicadeza e poética raramente vistas.