Por Railídia Carvalho
A Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) debateu na Sala Virtual desta terça-feira (21) os “Desafios para a igualdade e transversalidade de gênero no mercado de trabalho”. A atividade foi uma iniciativa conjunta das secretarias da Mulher Trabalhadora e da Igualdade Racial da central tendo as participações de Celina Areas e Mônica Custódio, que mediou o debate. Clique AQUI para assistir ao vídeo na integra pela TV Classista.
A Sala Virtual homenageou o dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha que acontece em 25 de julho. Mônica Custódia lembrou a trajetória de Tereza de Benguela, heroína negra que viveu no século XVIII e liderou um quilombo no Mato Grosso. “Através da história de Tereza de Benguela a nossa luta continua”.
Monica ressaltou que esse dia de luta se estruturou em torno de três necessidades: A necessidade de a mulher negra ser vista, de existir; a necessidade de criar as condições materiais em forma de políticas públicas para a existência deste segmento populacional e a denúncia e o enfrentamento do genocídio da população negra em toda a extensão da América.
Mulheres e tecnologia: Soluções mais abrangentes
A luta das mulheres também está presente na área da tecnologia. Tanara Lauschner, Doutora em Informática, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), diretora do Instituto de Computação da UFAM e co-fundadora do Movimento Cunhantã Digital, mostrou o quanto as mulheres ainda são excluídas neste setor.
Dados da Universidade Federal do Amazonas apontam que do total de alunos que ingressam nos cursos de computação naquela instituição apenas 20% são mulheres. Esse percentual diminui quando se fala do total de mulheres formadas: São apenas 15% “Entre o ingresso na universidade e a formatura perdemos cerca de 70% das meninas que escolhem fazem computação”, disse Tanara.
Cunhantã Digital
O coletivo Cunhantã digital realiza em Manaus (AM) ações no ensino fundamental, na universidade e no mercado de trabalho. No ensino fundamental são oferecidas oficinas de programação especialmente para meninas (mas não só) como forma de cativar para a área. Na universidade, o coletivo criou mecanismos para garantir a permanência das mulheres nos cursos, como ações de conscientização entre os alunos homens, e há ainda uma rede de apoio para as mulheres que atuam no mercado da tecnologia.
“Recebemos recentemente um pedido para estagiário em TI e um dos requisitos era ser do sexo masculino. Não é mimimi o que as mulheres enfrentam”, explicou. O objetivo do Cunhantã Digital é fomentar uma diversidade na área que vai se refletir nas soluções tecnológicas desenvolvidas.
“Uma perspectiva apenas masculina leva a desenvolver soluções que segregam mulheres, pessoas negras, pessoas em vulnerabilidade. Com a diversidade você leva experiências diversas com soluções mais abrangentes do ponto de vista social e também do ponto de vista lucrativo, como constata o movimento mundial de inclusão digital”.
Tanara lembrou que a pandemia agravou mais ainda a desigualdade de gênero. “Na academia, os homens aumentaram as publicações na pandemia enquanto as mulheres diminuíram. Como a mulher vai fazer home-office se tem sobre ela toda uma carga domestica?”, questionou.
Patronato brasileiro herdou herança patriarcal e escravocrata
Ivânia Pereira, vice-presidenta nacional da CTB, lembrou que apesar de as mulheres serem as mais penalizadas pela pandemia, esse momento em que todos estão em casa pode servir para trazer para o debate na família essa carga doméstica que culturalmente é imposta às mulheres. A dirigente trouxe o tema de um debate do qual ela participou organizado pela ONU Mulheres e que debateu “Como as mulheres estão enfrentando o isolamento social”.
Segundo ela, este é o melhor momento para pactuar o compartilhamento das tarefas na casa. “O isolamento social em que todos estão em casa é a hora de exercitar esse diálogo e transformar em ação. Vamos discutir qual a melhor metodologia para que as famílias exerçam e treinem o compartilhamento das experiências domésticas”, defendeu Ivânia.
Ela destacou a importância da luta dos sindicatos na defesa dos direitos e pela promoção da igualdade racial e de gênero. “Exigimos o cumprimento do que está escrito na Constituição que é igualdade para todos e todas. A realidade brasileira penaliza mulheres e especialmente as mulheres negras”.
Ivânia lembrou ainda que a pandemia agravou as mazelas para aqueles que são mais vulneráveis. “Uma trabalhadora doméstica foi a primeira vítima da Covid-19. Esse fato tem muito a nos dizer porque mostra a mentalidade escravocrata do patronato brasileiro. Se pudesse, esse patrão contrataria o trabalhador por um prato de comida com restos que sobraram da casa grande”. A patroa que esteve na Itália passou o vírus para a trabalhadora doméstica.
A luta das mulheres pela regulação pública do trabalho
“Quando a academia e os trabalhadores se juntam dá cheiro de transformação”, afirmou Magda Biavaschi. Ela é Desembargadora aposentada do TRT 4, doutora e pós doutora em economia aplicada pelo IE/Unicamp e pesquisadora no Centro de Estudos Sindicais de Economia e de Trabalho(Cesit /Unicamp). Magda trabalha com o tema a Luta das mulheres no processo de regulação pública do trabalho.
“A pandemia escancarou situações e agravou desigualdades que impactaram principalmente as mulheres e as mulheres negras. A nossa dialética senhor e escravo não foi superada”. Segundo Magda persistem heranças profundas de uma sociedade patriarcal, monocultora e escravocrata. Ela ressaltou que as lutas superadoras das mulheres são fundamentais no enfrentamento dessa herança que faz persistir este Brasil “de mil misérias”. “Direito é luta e organização”, concluiu.
A economista ressaltou que todos os governos brasileiros, desde a primeira república, que se voltaram para caminhar no sentido de reduzir as desigualdades foram perseguidos ou desapareceram da cena brasileira por suicídio, golpe civil-militar, impeachment sem crime ou ainda foram presos em um processo de lawfare.
“Olhem quantos desafios nós temos e olhem a caminhada que conseguimos fazer para construirmos o que, pra mim, é fundamental que é uma regulação pública que a todos possa incorporar”, defendeu. Essa “tela pública de proteção social”, como definiu Magda, seria fundamentada em princípios como o da irrenunciabilidade do direito, da proteção, da isonomia, da não discriminação. A reforma trabalhista de 2016 foi uma das políticas que iniciou a desfiguração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“O apito da fábrica de tecidos”
Segundo Magda, a conquista dessa nova regulação pública tem nas lutas superadoras das mulheres um aliado fundamental. Ela cantou um trecho da música Três Apitos, de Noel Rosa, que diz “quando o apito da fábrica de tecido vem ferir os meus ouvidos eu me lembro de você”.
“O apito da fábrica simbolizava a conquista das mulheres de uma jornada de trabalho. É o registro de um tempo em que as mulheres operárias conquistam o status de sujeito de direitos a um trabalho remunerado, subordinado, assalariado. O brasil foi o quarto país no hemisfério ocidental que as mulheres sufragistas conquistaram o direito ao voto. Isso não é pouca coisa”, enfatizou.
foto da home: Agência Brasil