Por Francisca Rocha
Todas as informações acerca da pandemia da Covid-19 no Brasil, nos levam a ser contra a flexibilização da quarentena que está sendo feita sem observar os critérios determinados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A OMS orienta o relaxamento do isolamento social somente quando a taxa de retransmissão do novo coronavírus estiver abaixo de 1, para mostrar que está sob controle.
Não é o caso do Brasil, nem de São Paulo. Segundo o projeto Covid-19 Analytcs, o estado de São Paulo estava com uma taxa de retransmissão de 1,19 em 30 de junho. Com a flexibilização feita pelo governador João Doria essa taxa pode ter variado.
Por isso, é importante defender o retorno à quarentena com os governos federal e estadual tomando as medidas necessárias para a preservação dos empregos e das pequenas e médias empresas que estão fechando. Mais de 500 mil já fecharam as portas.
Para piorar, o desgoverno Bolsonaro/Guedes defende o fim do auxílio emergencial de R$ 600, aprovado pelo Congresso. Com o desemprego e a informalidade nas alturas, o não pagamento do auxílio emergencial pode afetar amargamente milhares de famílias, que já estão no limite da sobrevivência.
Nesse contexto em que morrem mais de mil pessoas por dia em média no país, sem vacina, com o Sistema Único de Saúde (SUS) colapsado, a falta de testagem em massa e a forte possibilidade das crianças se tornarem transmissores do vírus é temerário o retorno às aulas presenciais.
Principalmente porque a rede de ensino pública estadual e municipais não reúnem as condições determinadas pela OMS e pelos cientistas para impedir a contaminação dessas crianças e jovens nas escolas.Controlar a pandemia é essencial.
É humanamente impossível impedir as crianças menores ao contato físico e mantê-las de máscara o tempo todo. Mesmo as crianças um pouco maiores sentem dificuldade em ficar distanciadas dos amiguinhos.
Mas o mais importante é saber que as escolas não têm a mínima estrutura para as adequações necessárias para conter a disseminação do coronavírus. As entradas teriam que ser adaptadas para higienizar quem entra na escola, os banheiros deveriam funcionar plenamente e com sabonete e papel higiênico. Os bebedouros higienizados, álcool gel espalhado por todos os ambientes e as salas de aula bem arejadas com ventilação adequada e espaço para o distanciamento necessário.
Como as escolas públicas de São Paulo deixam muito a desejar sobre todas essas questões, os riscos de contaminação para as professoras, professores, demais profissionais, estudantes e seus familiares são extremamente grandes e ninguém quer ser responsável pelo aumento do número de doentes e mortes. O bom senso determina manter as aulas presenciais suspensas até haver um controle efetivo da pandemia ou uma vacina eficaz.
No caso específico dos professores da rede de ensino oficial do estado de São Paulo, o governo tem a obrigação de rever os contratos temporários e pagar os seus salários integralmente. Esses contratos são feitos de forma precária. Sem os mesmos direitos dos efetivos e com salários menores, esses profissionais estão com os contrtos suspensos, sem receber anda do estado. A situação dos chamados “eventuais”, também requer atenção. São eles que substituem as professoras e os professores que se afastam por problemas de saúde ou que precisam se ausentar do trabalho em determinado dia. Esses profissionais não podem continuar sem receber pagamento do estado.
O governo estadual precisa realizar concursos públicos para prover a demanda das escolas públicas, mas enquanto isso não acontece deve honrar o compromisso de manter o pagamento dos contratados temporariamente e dos “eventuais”, além de estender todos os direitos trabalhistas dos efetivos para eles.
Dito isso, é fundamental nos debruçarmos sobre o ensino remoto de apoio pedagógico para suprir a demanda escolar sem prejuízo ao ano letivo. Como o ensino remoto aplicado pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo foi feito de maneira atropelada, sem diálogo e sem nenhum preparo técnico para as partes interessadas, é necessário fazer adequações que contemplem a todas e todos, sem pressão e sem sobrecarga de trabalho, ouvindo todas as partes para não haver nenhum estudante sem aula.
Essencial levarmos em conta as condições determinadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Primeiro, é necessários estabelecer o diálogo com os órgãos representativos da categoria, fornecer equipamentos e suporte técnico aos profissionais e estruturar as escolas. e isso demanda muito tempo.
Qualquer atividade escolar, seja presencial ou digital deve levar em conta o princípio básico da liberdade de cátedra e da liberdade de expressão tanto de quem ministra a aula como dos estudantes.
Respeitar a carga horária de trabalho e o tempo necessário de descanso entre uma atividade e outra, seja para a realização de vídeos, sejam aulas remotas ao vivo.
Como determina o MPT: “A liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, bem como o princípio da valorização dos profissionais da educação escolar, ambos previstos no artigo 206 da Constituição Federal de 1988”.
Também é importante levar em conta a profunda desigualdade socioeconômica e educacional para realizar um trabalho que contemple a todos e não privilegie ninguém. Saber lidar com as discrepâncias entre os sexos sobre o trabalho doméstico, no qual as mulheres trabalham muito mais horas do que os homens, acarretando numa sobrecarga de trabalho bem maior também faz parte do contexto.
As “medidas necessárias pelas instituições de ensino para propiciar a compatibilidade da vida profissional e familiar de docentes em trabalho por meio de plataformas virtuais, trabalho remoto e/ou em home office; regular a prestação de serviços por meio de plataformas virtuais, trabalho remoto e/ou em home office, no período de medidas de contenção da pandemia do Covid-19, preferencialmente por meio de negociação coletiva, acordo coletivo, e por contrato de trabalho aditivo por escrito, com prazo determinado, tratando de forma específica sobre a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura do trabalho remoto”, assinala o MPT.
Além de tudo isso, manter os salários em dia, sem cortes e não pressionar os profissionais com metas contraproducentes ao processo de aprendizagem são questões fundamentais. Entender o ensino remoto como circunstancial e manter todos os direitos trabalhistas e o respeito à pessoa humana, inclusive dos contratados para substituir seja por qualquer motivo o profissional efetivo é obrigação dos governantes.
Francisca Rocha é secretária de Assuntos Educacionais e Culturais do Sindicato dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), secretária de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE) e dirigente da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB-SP).