Sua obra poética bastaria para consagrá-lo. Inquieto, Vinícius resolveu recriar a nossa nova música popular
Foto: Site Vinícius de Moraes
Uma charge, se não me engano no antigo Jornal do Brasil, de 1980, trazia Cartola, John Lennon e Vinícius de Moraes em um encontro imaginário com a legenda: “De repente, não mais que de repente as rosas não falam e o sonho acabou. Aninho besta este, não?”.
Pois foi assim naquele ano. Em julho perdíamos nosso poetinha, em novembro o grande sambista e em dezembro o ex-beatle. Três perdas irreparáveis e insubstituíveis do nosso cenário artístico.
Nesta quinta-feira, 9 de julho, fazem exatos 40 anos que o poeta, diplomata e compositor Vinícius de Moraes partiu. Tivesse consolidado apenas sua obra poética e já teria seu nome cravado no panteão dos grandes artistas brasileiros. Vinícius, no entanto, queria muito mais. No final da década de 50, em um encontro deslumbrante com o então jovem estudante de música, o carioca Antônio Carlos Jobim, iniciou, com o musical “Orfeu da Conceição”, uma profícua parceria que desaguaria, a partir de então, nas maiores canções populares produzidas por essas plagas.
Vinícius era tido como um poeta ‘sério’ e pagou caro por se meter em música popular. O que parecia ser um rigor desmedido dos vetustos críticos, se tornou, sem medo de exagerar, na obra musical mais importante da história da nossa música.
Além de Jobim, não há rigorosamente nada, nenhum projeto nem nenhum compositor sério e talentoso da época que não tenham passado por perto de Vinícius. Um sem fim de nomes, que parecem mais uma enciclopédia da nossa canção, fizeram canções com ele: Carlos Lyra, Edu Lobo, Baden Powell, Francis Hime, Chico Buarque e Toquinho, pra falar dos mais frequentes.
Estes, são seguidos por uma lista enorme de outros menos assíduos, mas também responsáveis por grandes obras, como Adoniram Barbosa, Antonio Maria, Alaíde Costa, Ary Barroso, Antonio Madureira, Azeitona, Claudio Santoro, Fagner, Francisco Enoé, Garoto, Haroldo Tapajós, Ian Guest, Jards Macalé, João Bosco, Marília Medalha, Moacir Santos, Mutinho, Nilo Queiroz, Paulo Soledade, Paulo Tapajós, Pixinguinha e Vadico.
Suas canções rodam o planeta até hoje. “Garota de Ipanema”, com Tom, é uma das músicas brasileiras mais regravadas de todos os tempos. Além delas, inúmeras outras mais ou menos famosas, mas irremediavelmente modernas, são cantadas até hoje como se tivessem sido feitas num dia desses.
A beleza, o rigor na construção e a grandeza poética fazem de Vinícius alguém único na nossa música. Era capaz de sambões derramados como “Formosa”, com Baden Powell e, ao mesmo tempo, outras um tanto mais compenetradas como “Canto Triste”, com Edu Lobo.
Vinícius não tinha medos nem preconceitos. Transitava entre o samba e a lírica poética com uma destreza invejável. Inaugurou a Bossa Nova ao lado de Tom e João Gilberto com a lendária “Chega de Saudade”. Quando todos embarcavam na nova febre musical, Vinícius partia para outra.
Se trancou durante uma semana com o parceiro e amigo Baden e, muitas garrafas de uísque depois, saiu de lá com a obra-prima “Os Afrosambas”, canções magníficas com inspiração no Candomblé, devoção de Vinícius que o seguiu por toda a vida.
A partir da década de 70, em outra guinada de sua carreira, iniciou sua parceria com o jovem violonista Toquinho, com quem compôs alguns de seus maiores sucessos. Com um requinte um tanto distante de outros parceiros de Vinícius, Toquinho tinha, por outro lado, uma grande capacidade de criar sucessos instantâneos, como “Tarde em Itapoã”, “Carta ao Tom”, “Regra três” entre outras.
Na madrugada do dia 9 de julho de 1980, Vinícius passou mal e morreu, aos 66 anos, após uma intensa vida onde abusou de tudo: amores, canções, bebidas e, sobretudo, da poesia. A nossa canção, o Brasil contemporâneo, enfim, tudo o que se pondera como moderno e inovador por aqui, teriam outra forma não fosse Vinícius de Moraes.
Ele foi um dos grandes inventores do Brasil que a gente, ainda hoje, sonha e deseja.