Por José Reinaldo Carvalho (*)
Há 30 anos, entre os dias 1º e 4 de julho, partidos de esquerda latino-americanos e caribenhos realizaram uma reunião na capital paulista para debater o novo quadro político mundial e regional de então e intercambiar opiniões sobre a execução de ações coordenadas no novo momento histórico.
Aqueles partidos ainda não sabiam – e só viriam a dar-se conta depois – que estavam criando a maior, mais ampla e mais duradoura articulação de forças de esquerda em todo o mundo, desde o desaparecimento da Internacional Comunista em 1943 e a conversão da Internacional Socialista em uma organização a serviço da “gestão democrática e social” do capitalismo.
Ao longo destas três décadas, o Foro de São Paulo, sem pretender ser a repetição de uma nem da outra, viu crescer sua influência regional e mundial. Os seus encontros gerais contam com a presença, além dos partidos latino-americanos e caribenhos, de partidos de todos os continentes, entre eles partidos comunistas no poder.
Em julho de 1990, vivia-se o auge de uma contrarrevolução mundial que resultou na derrocada dos países socialistas. O sistema imperialista, liderado pelos Estados Unidos, desencadeava uma brutal ofensiva contra as conquistas democráticas e sociais dos povos alcançadas nas décadas precedentes. Os Estados Unidos estavam imersos em uma espécie de embriaguez e euforia triunfalista. “Com a graça de deus, a América venceu e se transformou não somente no líder do Ocidente, mas também no líder de todo o mundo”, dizia à época George Bush, o presidente dos EUA que selou o fim da Guerra Fria e iniciou o período do efêmero poder unilateral e invencível da superpotência norte-americana.
É notável o amadurecimento político e ideológico da esquerda latino-americana no âmbito do Foro de São Paulo e meritório o esforço para a construção da unidade possível. Em julho de 1990 não havia consenso sequer sobre o significado dos acontecimentos em curso: se a queda dos países socialistas do Leste europeu era uma contrarrevolução ou um movimento progressivo; sobre o alcance das políticas neoliberais; a previsão sobre como evoluiria o quadro político regional; a estratégia, a tática, as formas de luta, os métodos de organização e as políticas de alianças das forças de esquerda. Naquela altura, o único país latino-americano governado por um partido revolucionário – o Partido Comunista- era Cuba.
O quadro geral revelava uma generalizada defensiva estratégica, isolamento, desorganização e fragmentação das forças de esquerda, malgrado o Brasil ter recentemente saído, sete meses antes, de um embate (as presidenciais de 1989), que, tendo sido uma derrota eleitoral foi uma vitória política, porquanto lançou a Frente Brasil Popular (PT-PSB-PCdoB) e a emblemática liderança de Lula. Também por esta razão, é apropriado dizer que a criação do Foro de São Paulo foi um dos marcos mais importantes para a reorganização da esquerda na América Latina.
Durante estes 30 anos, o Foro de São Paulo foi o ambiente no qual, em meio a acalorados embates políticos e ideológicos, plasmou-se a unidade na diversidade das correntes de esquerda. O foro firmou-se como uma força de caráter anti-imperialista, democrática, patriótica, em luta pelos direitos dos povos, a soberania nacional, a integração regional, a paz mundial e pelo socialismo nas condições peculiares da época e resguardadas as situações nacionais específicas.
Foi no ambiente do Foro de São Paulo que amadureceram forças políticas e lideranças populares que venceram eleições presidenciais e protagonizaram ao longo de uma década e meia o ciclo de transformações políticas, econômicas e sociais na América Latina.
Nos 25 encontros plenários gerais destes 30 anos – para além das reuniões do Grupo de Trabalho, encontros sub-regionais e setoriais – sedimentaram-se as plataformas antineoliberais que se tornaram a base dos programas táticos e eleitorais vitoriosos dos partidos de esquerda e coalizões progressistas. Isto deu condições ao Foro de São Paulo para coordenar o respaldo político regional e internacional aos governos progressistas latino-americanos e caribenhos.
Assim, o Foro de São Paulo reúne as condições para seguir fortalecendo e desenvolvendo a inteligência coletiva da esquerda latino-americana neste início da década de 2020, hoje favorecido pelo surgimento de novas articulações, como o Grupo de Puebla.
O Foro de São Paulo criou um novo ambiente, um novo marco, um novo paradigma no desenvolvimento das relações entre os partidos políticos progressistas da América Latina e Caribe. Se pudéssemos definir em uma só palavra qual é a mais importante conquista do Foro, diria que é a unidade, mantidas as peculiaridades e a identidade de cada força e corrente política.
O Foro de São Paulo continua vigente, atual e desempenhando importante papel político. Segue sendo uma articulação indispensável à consolidação da unidade dos partidos populares, progressistas e de esquerda da América Latina e do Caribe. Seu encontro mais recente, o 25º, foi realizado em julho do ano passado, em Caracas, também sob as insígnias da unidade: “Temos de conseguir a união de todas as forças progressistas com um grande projeto que unifique as forças populares”, disse na ocasião o presidente venezuelano Nicolás Maduro.
(*) Jornalista, editor da Página Resistência, membro do Comitê Central e Comissão Política Nacional do PCdoB