Por Altamiro Borges
O Senado aprovou na quarta-feira (24) o projeto do novo marco regulatório do saneamento básico – que incentiva, na prática, a privatização criminosa desse setor essencial. O texto, que teve a relatoria do senador-lobista Tasso Jereissati (PSDB-CE), recebeu 65 votos favoráveis e 13 contrários.
Usando como desculpa a tragédia da Covid, o projeto de lei foi aprovado às pressas. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), apelou pela retirada dos destaques e pelo fim dos debates. O rentista Paulo Guedes, czar da Economia do laranjal bolsonariano, festejou a celeridade do golpe privatista.
A união dos adoradores do “deus-mercado”
O projeto de privatização da água e do saneamento juntou quem estava separado diante do “capetão”. Na votação no Senado, os bolsonaristas se uniram aos tucanos e demos, tidos como oposição centrista. A TV Globo abrandou suas críticas ao governo e aplaudiu a medida ultraneoliberal. Tudo pelo deus-mercado!
Os mesmos que prometeram que as “reformas” trabalhista e previdenciária salvariam a economia – iludindo os midiotas –, agora juram que o projeto resolverá o problema do saneamento e gerará empregos no país. O general Luiz Ramos, ministro-servil do capitão, garante que ele criará um milhão de vagas em cinco anos.
Atualmente, 34 milhões de brasileiros não têm água tratada e 45% dos 208 milhões de habitantes do país não possuem tratamento de esgoto. Mas esse quadro dramático não será resolvido com a privatização do setor. A iniciativa privada visa o lucro e não tem qualquer compromisso com o bem-estar da sociedade.
A entrega do filé mignon à gula empresarial
Como alerta o blogueiro Fernando Brito, no artigo “privatização às pressas fede”, a concessão de serviços de água e esgoto às empresas privadas já é permitida no Brasil pela Lei nº 11.445, de janeiro de 2007. O que o atual projeto faz é doar a parte lucrativa, o filé mignon, para a gula empresarial.
“A nova legislação traz de diferente exatamente isso: obriga que áreas já atendidas por entes públicos (que são 94% das concessões atuais) e que são as mais lucrativas, pois quase independem de custos de ampliação, tenham operação leiloada a empresas privadas”, registra o editor do blog Tijolaço.
Fernando Brito ainda ironiza: “Ou você acha mesmo que o que está atraindo tantos apetites é implantar adutoras, troncos coletores, estações de tratamento e toda a infraestrutura que o saneamento demanda e que, pela sua natureza, é investimento que só se pagará em 15 ou 20 anos?”
Passando a boiada da privatização da água
Já Luis Nassif destaca no site GGN que “a nova lei do saneamento permite passar a boiada da privatização da água”. Ele alerta para o artigo do projeto que diz que “as outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais poderão ser segregadas ou transferidas” para o setor privado.
Para ele, o “projeto institui a figura esdrúxula da ‘empresa produtora de água’, um personagem diferente da empresa que cuidará do saneamento”. Como enfatiza, “nas próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta” e esse bem que existe em abundância no Brasil não pode ser privado!
No mesmo rumo, Amauri Pollachi publica um longo estudo no site Outras Palavras no qual comprova que “a ampla e irrestrita privatização do setor não vai melhorar a gestão e trazer os investimentos necessários à universalização dos serviços de água e esgoto”. Ele cita várias experiências trágicas – no mundo e no Brasil.
A experiência trágica de Manaus
Um caso triste é da capital do Amazonas. “Manaus, após 20 anos de gestão privada, tem 12,5% de coleta de esgotos e mais de 600 mil pessoas sem acesso à água. O Instituto Trata Brasil coloca o saneamento de Manaus – 6° maior município brasileiro – em 96º lugar entre os 100 maiores municípios do país”.
“Não por acaso, as regiões da cidade mais assoladas pela Covid-19 são as mais desassistidas em saneamento básico. Este estudo também aponta que as dez melhores cidades são operadas por autarquias ou empresas públicas e apresentam indicadores elevadíssimos de atendimento.
Países reestatizam os serviços de água e esgoto
Amauri Pollachi ainda repercute pesquisa publicada em maio de 2020 pelo Instituto Transnacional (TNI), sediado na Holanda. Ela mostra que 1.408 municípios de 58 países, nos cinco continentes, reestatizaram seus serviços, sendo que 312 municípios na área de água e/ou esgoto de 36 países entre os anos de 2000 e 2019.
Há casos emblemáticos na Alemanha, EUA, Canadá, Espanha e França, “país onde 152 municípios, inclusive Paris, sede das duas maiores multinacionais que atuam no setor, tiveram os serviços remunicipalizados”.
“A reestatização deveu-se: às falsas promessas dos operadores privados; à prevalência do interesse do lucro sobre o interesse das comunidades; ao não cumprimento das metas contratuais de investimentos e expansão e universalização principalmente das áreas periféricas e mais carentes; aos aumentos abusivos de tarifas; e a deficiência dos órgãos reguladores para garantir regras contratuais, impedir aumento abusivo das tarifas e punir as empresas”.