Por Francisca Rocha
O governador de São Paulo, João Doria anunciou nesta quarta-feira (24) a volta às aulas presenciais com data marcada para o dia 8 de setembro, em todos os níveis. Com a promessa de deixar todas as escolas em condições adequadas para conter a contaminação pelo coronavírus.
Só não disse como vai cumprir com todos os requisitos necessários para a segurança de estudantes, professoras e professores e os outros profissionais de uma escola, além de evitar a propagação do vírus na comunidade escolar.
Em primeiro lugar é preciso conter o avanço da Covid-19 para qualquer atitude de flexibilização do necessário isolamento social como a forma mais eficiente de se evitar o aumento de contágios e de mortes. E infelizmente, os números não param de crescer, além de haver uma subnotificação que esconde um quadro ainda muito mais grave.
São Paulo é o epicentro da crise sanitária no país e deve empreender esforços mais rigorosos para conter a disseminação do coronavírus e assim preservar vidas.
Para isso, o governo do estado deve garantir o emprego e a renda das trabalhadoras e trabalhadores, empreendendo esforços pela manutenção dos empregos e salários sem reduções e propiciar linhas de créditos sem juros e de longo prazo para pequenos e médios empresários e assegurar auxílios aos trabalhadores informais, que neste momento ficam sem renda nenhuma. Além de assegurar que as grandes empresas mantenham os seus funcionários em casa com salários integrais.
Importante ressaltar que a indicação de retomada das aulas em setembro desconsidera os riscos à vida de 12,3 milhões de estudantes da educação infantil, do ensino básico, do superior e do profissionalizante em todo o estado e de 1 milhão de profissionais da educação. Todos expostos a sérios riscos de contaminação com grave ameaça às suas vidas e as de seus familiares.
A flexibilização das medidas de isolamento só devem acontecer quando a pandemia estiver controlada, ou seja, o número de contágios estiver próximo de zero. Como afirma o epidemiologista Jarbas Barbosa da Silva, diretor-assistente da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço regional nas Américas da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Em primeiro lugar, só se pode pensar em um plano de transição de reabertura da economia”, diz ele, com a transmissão da doença controlada, “isso significa que o número de casos diminuiu, que busca-se testar todos os sintomáticos e mesmo assim não se vê crescimento de casos, que leitos de UTI e respiradores mecânicos estão com disponibilidade de atender quem necessitar deles”. Não é o caso do Brasil nem do estado de São Paulo.
Além disso, não há como garantir o necessário distanciamento de bebês nas creches. Assim como é impossível controlar esse distanciamento na educação infantil, bem como garantir a utilização de máscaras em crianças de 2, 3, 4 anos. Não se consegue garantir que crianças até de faixas etárias maiores, como as dos anos iniciais do ensino fundamental 1, permaneçam por horas com máscara e se mantenham distantes de seus amiguinhos por muito tempo.
Fora essas questões, os prédios escolares não reúnem condições para sanitização adequada dos ambientes, de forma a garantir segurança aos profissionais e às crianças e jovens.
Discutir uma retomada das aulas presenciais, portanto, envolve desenvolver um amplo debate com toda a sociedade com a presença de arquitetos, epidemiologistas, profissionais da educação ede toda a comunidade escolar.
Vários países que retornaram às aulas presenciais tomaram medidas rigorosas de controle sanitário. As principais medidas têm sido uma completa e sistemática desinfecção de escolas, a organização de tendas de desinfecção dos alunos na entrada, controle de temperatura, uso de máscaras, lavagem de mãos e instalação de torneiras. Além de tomar medidas para assegurar o distanciamento de pelo menos 1,5 metro entre todos, horários diferentes de entrada e saída, salas de aula arejadas e limpas constantemente e afastamento dos profissionais que se enquadram no grupo de risco. E mesmo com esse controle rígido, várias escolas em diversos países têm retomado a suspensão das aulas pelo crescimento do número de contágios.
Em São Paulo não há como garantir esses procedimentos e o estado não controlou a disseminação do coronavírus, questão primordial para a retomada das aulas presenciais.
Ao contrário, a situação de degradação das escolas paulistas é fruto do descaso com a educação pública pelos sucessivos governos tucanos. Agora Doria promete fazer em dois meses o que não realizou em um ano e meio. Sua política tem sido de entrega da gestão escolar para Organizações Sociais, para as quais profissionais da educação e estudantes são apenas números.
A política desenvolvida pela Secretaria Estadual de Educação deixa as escolas. principalmente da periferia, sem recursos para a mínima manutenção dos prédios, que dizer de contratação de funcionários e professores para possibilitar o necessário distanciamento e as condições básicas de saneamento.
As trabalhadoras e trabalhadores da limpeza não dão conta de manter os prédios escolares em condições básicas de higiene sem pandemia, imagine com toda essa necessidade de limpeza de maçanetas, mesas, carteiras e todos os objetos de uso comum de maneira constante nas escolas.
Todo mundo sabe que as escolas são lugares de grande aglomeração e para voltar às aulas presenciais sem perigo de novas contaminações é necessário seguir protocolos extremamente rígidos em defesa da vida dos estudantes, dos profissionais e dos familiares.
Os problemas para essa programada volta às aulas apressada já começam por aí. Para um retorno às aulas organizado e bem pensado, há necessidade de contemplar a todos os setores envolvidos. Não podemos ter aulas presenciais sem segurança sanitária para evitar o crescimento do contágio, que já é grande e crescente no estado.
Na realidade, as escolas estão abandonadas pelo poder público há anos. Escolas sucateadas, com infraestrutura insuficiente para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem de maneira adequada às necessidades das crianças e adolescentes.
Para uma volta às aulas segura são necessários procedimentos que o governo do estado de São Paulo nunca fez. Tem que garantir uma limpeza rigorosa de todo o ambiente escolar o dia todo. Para isso, é necessário que haja sabonete em todos os banheiros e álcool gel em locais acessíveis para todos.
Na realidade, o governo paulista tem cortado investimentos na educação pública e fechado salas de aula continuamente, proporcionando uma superlotação de salas de aula. Faltam profissionais e o governo não realiza concursos há anos. Os salários estão defasados e as professoras e professores têm de correr de escola em escola para manter um ganho razoável para sustentar suas famílias. Como resolver isso sem uma disposição de valorização da educação pública e de seus profissionais?
A volta à aulas presenciais, portanto, deve acontecer após um amplo debate sobre como recuperar o tempo perdido, sem onerar os profissionais e com políticas voltadas para reduzir as desigualdades socieconômicas e educacionais, reforçadas pela pandemia. Já que a implantação do ensino remoto de apoio pedagógico não foi debatido como deveria e não levou em consideração as necessidades das crianças e jovens e muito menos se pensou na falta de condições tecnológicas de estudantes e professores.
Pelos levantamentos feitos pela Apeoesp menos de 30% dos estudantes se conectaram à rede. Além de haver fortes suspeitas sobre a empresa IPTV, controladora da aplicação do ensino remoto, de subtração de dados pessoais dos profissionais e dos estudantes, além da acusação a um dos sócios da empresa de envolvimento com a exploração sexual de crianças e adolescentes.
Não há como aceitar a retomada das aulas presenciais neste ano porque é necessário investir na estruturação dos prédios escolares de forma a assegurar a saúde de toda a comunidade. Só podemos voltar para as salas de aula quando a pandemia estiver efetivamente controlada. Sem isso é expor milhões de pessoas a riscos desnecessários.
É fundamental a criação de políticas públicas de combate às desigualdades, com valorização do trabalho, visando a criação de empregos com melhorias nos investimentos na educação pública e na saúde pública. Fora isso, é puro marketing em defesa dos interesses dos barões da educação que visam lucros sem se importar com a vida humana.
Francisca Rocha é secretária de Assuntos Educacionais e Culturais do Sindicato dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), secretária de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE) e dirigente da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB-SP).