Por Marcos Aurélio Ruy
A música popular brasileira está em festa nesta terça-feira (23) e não poderia ser diferente. A “cantora do milênio”, segundo a emissora britânica BBC, Elza Soares completa 90 anos de muito amor à arte de cantar como poucas pessoas conseguem no mundo.
Até a sua data de nascimento é marca da irreverência dessa mulher que saiu menina da favela e se transformou numa das mais importantes vozes da música popular brasileira. Além de fervorosa ativista contra o racismo, o machismo e a LGBTfobia.
A Mulher do Fim do Mundo, de Alice Coutinho Costa Lima e Rômulo Fróes de Carvalho
“Reza a lenda que eu faço aniversário duas vezes no ano. Reza a lenda e rezo eu pra agradecer por tanta vida. Pra quem passou pelo que eu passei, celebrar durante um mês inteiro é pouco. É em 23 de junho ou 22 de julho? Não importa. Eu comemoro as duas datas e nesse ano será o mês todo. É cara, mais uma primavera, mais um ‘passaporte’ carimbado rumo a próxima década”, escreveu em sua página de Facebook.
E para não deixar dúvidas sobre a sua vontade de continuar fazendo da sua arte a contestação de um sistema opressor ela afirma que “há dias em que nem nasci ainda, estou no ventre, em outros acabei de nascer, sei lá. Sou menina, filha do século 21 e mulher feita, tenho a idade de Nefertiti. Vou vivendo, me reinventando e vivendo nos últimos anos, os melhores dias da minha vida”.
De origem muito humilde enfrentou com perseverança as pedras no caminho de uma mulher preta, pobre e da periferia. Com determinação superou todos os obstáculos para viver de sua arte.
Libertação, de Russo Passapusso
Iniciou carreira com sua participação no programa “Calouros em Desfile”, apresentado por Ary Barroso (1903-1964), na rádio Tupi. Para ridicularizar a visível pobreza da caloura, Ary Barroso pergunta: “De que planeta você veio, minha filha?” A resposta foi imediata: “Do mesmo planeta que o senhor, seu Ary. Do planeta fome”.
Aprovada pela sua potente e afinada voz, Elza sai da obscuridade para brilhar nos palcos, como brilha ainda hoje. Acertadamente Ary Barroso sentenciou que ali nascia uma estrela.
Com mais de 60 anos de carreira, Elza mantém os seus temas prediletos em seu reportório. A luta da mulher pela emancipação feminina, pela igualdade racial e de gênero e contra a desigualdade e as injustiças. Entoa a sua voz meio rouca na defesa de uma vida boa para todas as pessoas.
Canta samba, bossa nova, funk, soul, MPB e muitos outros gêneros musicais com a mesma desenvoltura. Nada fugiu à sua vontade de pôr a sua arte em favor de melhoria de vida das pessoas marginalizadas por uma sociedade temerosa do novo.
A Carne, de Marcelo Yuca, Seu Jorge e Wilson Capellette
Para mostrar que permanece antenada, em seu álbum A Mulher do Fim do Mundo, de 2015, canta a força da mulher, que resiste a todas as tentativas de cercear as possibilidades de uma vida feliz, sem violência, sem assédio e sem medo. Já em Planeta Fome, de 2019, apresenta o ardor de ver a miséria ser extirpada de nossas vidas.
Elza Soares diz que anseia por uma nova primavera. Que todos os seus jardins permaneçam repleto de flores em agradecimento à sua generosidade em encantar nossas vidas com uma voz única e sempre disposta a se contrapor aos donos do poder.
O Meu Guri, de Chico Buarque
Elza canta com o Grupo Nós do Morro