Por José Roberto Medeiros, jornalista da CTB/RJ
O povo brasileiro segue em luta contra o novo coronavírus. Os números de mortos diários seguem batendo recordes e as projeções dos mais renomados infectologistas do país não são animadoras. Em meio a tudo isso, no entanto, existe um segmento que anda faturando bastante com a pandemia: a rede privada de saúde.
Com o avanço da pandemia, o número de brasileiras e brasileiros que recorreram a contratação de um plano de saúde saltou consideravelmente. Em março, 111.860 novos planos foram contratados, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), número 3.275% superior ao de fevereiro.
Mas esse aumento não tem garantido acesso à saúde aos contratantes. As carências apresentadas por diversas operadoras tem feito com que usuários do sistema privado, possivelmente infectados pelo novo coronavírus, tenham seu atendimento negado e sejam redirecionados para o SUS.
Para conter esse ímpeto, o poder judiciário tem enquadrado os pacientes vítimas da pandemia como casos de emergência – o que eliminaria as limitações da carência. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em ação movida contra seis operadoras (Amil, Bradesco Saúde, Unimed Central Nacional, NotreDame Intermédica, Prevent Senior e SulAmérica Seguros), garantiu que os casos de Covid-19 no estado sejam tratados como emergência e não passíveis de carência.
A Justiça de Brasília também já tomou decisão similar. Outro problema enfrentado pelos pacientes da saúde privada é a questão do tempo de internação, limitado pelos contatos e que podem gerar grandes prejuízos, tanto financeiros quanto à saúde dos pacientes.
Rede Privada detém metade dos Leitos de UTI e atende apenas a 25% da População.
Um dos fatores que agrava a crise sanitára provocada pelo novo Coronavírus é justamente a permanência prolongada de pacientes em leitos de UTI.
Pessoas infectadas que atingem um quadro mais grave da doença costumam precisar de tratamento com respiradores mecânicos e outros equipamentos médicos por mais tempo do que no caso de outras doenças.
No Brasil existiam, antes do começo da pandemia, aproximadamente 55 mil leitos de UTI, sendo que aproximadamente 50% deles estavam na rede privada, que atende a uma população muito menor do que o SUS.
Hoje, o Sistema Único de Saúde é quem presta o atendimento médico a 75% da população brasileira, segundo dados da própria ANS. Para agravar mais ainda as desigualdades, 15% da população brasileira que depende do SUS vivem em cidades que não possuem leitos de UTI.
O setor privado conta com 4,9 leitos por 10 mil segurados, segundo dados da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira). No SUS, a relação é de 1,4 leito de UTI para cada 10 mil habitantes, na média nacional. A rede privada tinha uma taxa de ocupação de UTIs menor antes da crise. O índice era de 80%, frente aos 95% do sistema público.
Além disso, pessoas de classes mais altas estão em melhores condições de adotar as medidas preventivas de distanciamento social. Com isso, a contaminação entre esse grupo, que é o público dos hospitais particulares, tem sido mais baixa, o que diminui a necessidade de leitos de UTI em relação à situação no SUS.
Diante dessas realidade, juízes de primeira instância já começaram a requisitar leitos de unidade privada. Uma portaria do Ministério da Saúde, nesses casos determina que a indenização paga às empresas privadas por leito de UTI será de R$ 1.600,00 por dia, em mais um ganho para a rede privada de saúde que alegou que os valores não cobriam os custos diários de uma UTI.
Em Abril, visando garantir a solvência do setor, a ANS liberou 15 bilhões de reais de um fundo garantidor aos planos de saúde. Para ter acesso a esse recurso, as operadoras deveriam assinar um termo comprometendo-se a atender usuários inadimplentes durante a pandemia desde que eles renegociem suas dívidas.
Em entrevista ao jornal El País, o pesquisador da USP Mauro Scheffer, criticou a medida, dizendo que ela consistiria em um “cheque em branco” para as concessionarias e que sua liberação deveria estar condicionada a redução de mensalidades, como tem ocorrido no âmbito da educação.
Unificação de Leitos é o caminho
No começo de março, cerca de 50 entidades lançaram uma campanha defendendo a a unificação das filas para leitos de UTI entre os setores público e privado. A medida já ocorre em casos de transplantes e foram implementadas em diversos países durante a pandemia.
Na Espanha, por exemplo, o governo realizou uma intervenção temporária em toda a rede privada para a colocar à disposição do Serviço Nacional de Saúde.
O tema é analisado na Câmara dos Deputados em diversos projetos. Em um deles, o PL 2333/20, apresentado pela bancada do PSOL, haveria a gestão unificada de todos os leitos hospitalares do País, incluindo unidades militares, filantrópicas e privadas, a fim de assegurar o atendimento universal e igualitário a pacientes com a doença.
A proposta define a criação de uma Fila Única Emergencial para a Gestão de Leitos Hospitalares enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional (até 31 de dezembro de 2020).
Outro projeto, o PL 1316/20, de autoria do Deputado Alexandre Padilha (PT) também busca a regulamentação da requisição de leitos da rede privada durante a pandemia. Por esse projeto, a requisição seria ato do chefe do executivo local e poderia incluir leitos, alas ou até mesmo a totalidade da unidade de saúde.
Os deputados Orlando Silva (PCdoB) e Daniel Almeida (PCdoB) também protocolaram projetos sobre o tema. OS PLs 2176/20 e 2301/20, respectivamente, focam, no entanto em pacientes com Covid-19 em estado grave.
Orlando Silva destaca que a Constituição Federal já prevê a possibilidade de intervenção do Estado no domínio privado em caso de grave e iminente perigo público.
Já Daniel Almeida, foca nos estados, e atenta para o fato que mesmo com os esforços dos governadores – com criação de leitos em hospitais de campanha – é essencial “que a regulação dos leitos do setor privado seja organizada pelos gestores públicos em cada unidade federativa”.