Pandemia da Covid-19 exige ações arrojadas para evitar um colapso econômico de grandes proporções. Países europeus fazem grandes aportes com recursos públicos, mas os governos dos Estados Unidos e do Brasil ignoram a gravidade da situação.
Por Osvaldo Bertolino
Na semana passada, um grupo de 60 membros da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, democratas e republicanos, enviou uma carta à liderança do Congresso, levantando preocupações sobre a crescente dívida e déficits resultantes da resposta do governo federal à pandemia de coronavírus. “Não podemos ignorar a questão premente da dívida nacional”, escreveram eles.
A carta alertou para “danos irreparáveis ao nosso país” se nada for feito para conter a maré vermelha nas contas do Estado. O senador Mike Enzi, republicano de Wyoming, presidente do Comitê de Orçamento do Senado, ecoou as preocupações. É um sinal ameaçador para as pequenas empresas e milhões de norte-americanos desempregados, cuja sobrevivência depende do apoio contínuo do governo na crise.
O desemprego ainda é maior do que era na maior parte da Grande Depressão. Embora tenha caído em maio, o número de trabalhadores negros desempregados aumentou levemente. Segundo o colunista do jornal The New York Times Paul Krugman, o Bureau of Labor Statistics divulgou seu relatório sobre a situação do emprego em maio mostrando uma queda na taxa de desemprego, mas, diz ele, é preciso ir além dos dados revelados.
Ajuda de emergência
Isso porque a economia dos Estados Unidos ainda depende muito de suporte do Estado. “É provável que algumas boas notícias encorajem os suspeitos de sempre a encerrar o suporte à vida muito cedo, com efeitos terríveis daqui a alguns meses”, afirma. Para Krugman, o governo Trump, que mente sobre tudo, poderia ter falsificado os números, mas não foi o que aconteceu.
O relatório de empregos é preparado por uma grande equipe profissional que leva a sério suas responsabilidades, afirma. E contém muito mais do que os números das manchetes. Não é o tipo de coisa que poderia ser alterada; qualquer esforço para falsificá-lo teria acionado vários alarmes.
O problema, alerta o colunista, é que o relatório mostra uma recuperação parcial de setores intensivos em contato, como restaurantes e consultórios de dentistas, que foram em grande parte fechados pelo distanciamento social. Ou seja: a crise ainda não se transformou em um colapso da economia como um todo.
A melhora no índice de emprego, de acordo com Krugmam, decorre da ajuda de emergência – a rede de segurança implantada às pressas no final de março, em grande parte por insistência dos democratas –, que aliviou as dificuldades, permitindo que os desempregados continuassem gastando e incentivando as empresas a manter suas folhas de pagamento.
Final do verão
Esse benefício tem sido, afirma o colunista, uma fonte enorme de apoio, apesar das dificuldades que muitos enfrentam para se cadastrar. Entre outras coisas, ele tornou possível para milhões de famílias continuar pagando aluguel. O problema é que ele expira em 31 de julho. Como no Brasil, os governadores também enfrentam dificuldades econômicas e já demitiram um milhão e meio de trabalhadores; em breve haverá muito mais demissões, a menos que haja ajuda em breve.
Em outras palavras, diz Krugman, os Estados Unidos enfrentarão um provável desastre no futuro próximo, a menos que o Congresso aja. “Mas eis a questão: os republicanos simplesmente odeiam ajudar os desempregados, odeiam ajudar estados”, afirma. “Na verdade, odeiam qualquer tipo de resposta a desastres que não sejam cortes de impostos. E o aumento no emprego lhes dá uma desculpa para saciar seu ódio”, enfatiza.
Também os incentiva a pressionar por mais abertura, mais relaxamento do distanciamento social, apesar do fato de a Covid-19 não estar nem perto de controle e há indícios iniciais de que a pandemia possa voltar à vida quando os estados reabrirem, alerta.
“Portanto, é muito possível que vejamos uma cena feia no final do verão e no início do outono – mais demissões do governo e perdas generalizadas de empregos em setores que até agora têm sido relativamente incólumes à medida que trabalhadores desesperados cortam gastos, tudo no contexto de um ressurgimento de hospitalizações e mortes. E o aumento de empregos em maio torna essa cena mais provável, porque promove mais ilusões das pessoas que insistiram há alguns meses que a Covid-19 iria embora e não representava ameaça à economia”, afirma.
Soberba de Paulo Guedes
Na Europa, a ajuda tem sido mais efetiva. Muitos países despejaram trilhões de dólares em suas economias por meio de reduções de impostos e crédito barato. Dizem os governos desses países que a política monetária e a política fiscal podem atuar como complementos para recuperar as economias.
No Brasil, o caminho do governo Bolsonaro, com o programa do seu ministro da Economia Paulo Guedes, também aponta para uma grande catástrofe. O presidente não toca no assunto – a não ser com a sua cantilena de que é preciso reabrir a economia, que para ele nem deveria ter sido fechada – e o ministro, quando raramente se pronuncia, não diz coisa com coisa. Sua última fala foi para tentar a ininteligível teoria das “duas ondas”.
De acordo com ele, a primeira onda a ser “furada” é a da saúde, sem dizer como isso seria possível sem investimentos na área pelo Estado. A segunda, a da economia, seria vencida pela aceleração dos “sinais vitais”, que “estão mantidos”, pelo investimento privado que, sabe-se lá por qual motivo, aportaria em massa no país.
O chamariz seriam as “reformas” para baratear a produção às custas de uma brutal exploração da força de trabalho e de um monumental parasitismo do Estado, e as privatizações selvagens. Com essa ideia, Guedes se supõem no exercício de um poder absoluto e incorre na soberba do galo que pensa que o Sol nasce porque ele canta.
Foto: Alan Santos /PR