O movimento que Trump culpa pelos distúrbios violentos é uma difusa rede de ativistas antifascistas sem uma estrutura nacional
Por Pablo Guimón, no El país
O padrão se repete. Quando há um problema, Donald Trump procura, antes de uma solução, um culpado. Nos protestos que abalam o país há dias, ele já escolheu o alvo de seu dedo acusador: “É o Antifa e a extrema esquerda. Não culpem os outros!”, tuitou no domingo. O presidente acusa uma rede difusa de ativistas antifascistas e no domingo garantiu que irá classifica-la como organização terrorista. O presidente Jair Bolsonaro reproduziu o tuíte de Trump, e o protesto de torcidas organizadas de futebol que se definem como antifascistas contra seu Governo em São Paulo, no domingo, reforçou o debate sobre o fascismo nas redes sociais brasileiras ―após o tuíte de Bolsonaro, uma onda de opositoes e críticos se apresentam agora como “antifascistas” nas redes.
A ameaça de Trump contra o Antifa se deu depois que o procurador-geral, William Barr, que se tornou, sem disfarce algum, o braço executor da agenda mais dura do presidente, também acusou grupos de extrema esquerda pelos distúrbios que varrem o país desde a morte do afro-americano George Floyd nas mãos da polícia em Minneapolis. “Em muitos lugares”, disse Barr, “parece que a violência é planejada, organizada e dirigida por grupos extremistas anárquicos de extrema esquerda, usando táticas como as do Antifa”.
É, no mínimo, discutível a legalidade de proibir com base na ideologia atividades protegidas pela Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. A lei dos EUA só permite aplicar a designação de terroristas para grupos estrangeiros, que não gozam da mesma proteção legal. Mas o problema de Trump não é só o fato de o Antifa não ser terrorista, mas que dificilmente pode ser definido como uma organização. Pelo contrário, é um movimento de ativistas sem uma estrutura formal que compartilham uma filosofia geral e táticas. Embora a polícia afirme que alguns ativistas antifascistas estão altamente organizados em células em nível local, o Antifa não é um grupo com liderança centralizada, uma cadeia de comando e uma estrutura definida. É impossível saber o número de membro e nem mesmo definir quando alguém é membro.
Não existe sequer um manifesto aceito em comum ou uma lista de posições, mas os militantes antifascistas compartilham causas como a luta contra o racismo, a homofobia, a xenofobia e, em geral, a proteção dos setores mais marginalizados e desfavorecidos da população. Os ativistas da Antifa estão ligados a movimentos como o Occupy e o Black Lives Matter. O primeiro foi um protesto internacional de natureza progressista contra a desigualdade, materializado na ocupação do parque Zuccotti, de Nova York, próximo à Walt Street, no segundo semestre de 2011.
O segundo, traduzido como “vidas negras importam”, ganhou relevância nacional depois da morte de dois afro-americanos em 2014, o que deu origem a protestos e distúrbios em Ferguson e Nova York. Ativistas atuando como Antifas também estiveram presentes em protestos contra a marcha Unite the Right, que reuniu grupos de extrema direita de todo o país em Charlottesville, Virgínia, em 2017, e terminou com a morte de uma manifestante antifascista.
A palavra antifa, de acordo com o dicionário Merriam-Webster, foi usada pela primeira vez em 1946, em oposição ao nazismo após o final da Segunda Guerra Mundial. Mas nos Estados Unidos o termo começou a ser mais usado nos últimos anos, para agrupar a constelação de movimentos antifascistas que surgiram após a eleição de Donald Trump em 2016, como um contrapeso à ascensão da chamada direita alternativa que contribuiu para sua eleição e que o presidente e seu ambiente incentivaram durante a campanha e também depois.
“Os antifascistas realizam investigações sobre a extrema direita na Internet, pessoalmente, e algumas vezes por meio de infiltrações; eles os expõem, informam as pessoas com as quais eles convivem para que os reneguem, pressionam seus chefes para que os demitam e pedem a espaços que cancelem seus eventos, conferências e reuniões ”, explica Mark Bray, professor de História da Universidade de Dartmouth, em seu livro Antifa: o Manual Antifascista. “Mas também é verdade que alguns deles dão socos na cara dos nazistas e não se desculpam por isso”, diz.
É impossível saber o número exato de pessoas que pertencem aos grupos Antifa, segundo Bray, porque ocultam suas atividades da polícia e da própria extrema direita. O medo de infiltração, acrescenta, faz com que os grupos sejam bem pequenos.
Os grupos Antifa, portanto, existem. Alguns deles são identificados como tais, como o Rose City Antifa, do Oregon, o mais antigo do país. Mas dificilmente se pode falar de uma organização nacional, como Trump parece sugerir. Além disso, o fato de no domingo a hashtag #IamAntifa (eu sou Antifa) ter sido tendência no Twitter indica que seria difícil diferenciar entre o apoio à causa e a participação em um suposto grupo