Por Marcos Aurélio Ruy
Tramita na Câmara dos Deputados o projeto de Lei Emergencial da Cultura (Projeto de Lei 1075-2020), que tem como relatora a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Por isso, o Portal CTB inicia uma série de matérias sobre a situação de vida dos artistas em meio ao isolamento social contra a pandemia do coronavírus. A tramitação e votação desse projeto tem o acompanhamento da jornalista Railídia Carvalho. Esta é a primeira reportagem da série.
Aqui, os artistas falam das dificuldades enfrentadas neste momento de isolamento, mas também sobre o descaso com a cultura, principalmente dos governos neoliberais, após o golpe de Estado de 2016.
Nesta primeira reportagem toda feita via Whatsapp, artistas relatam suas dificuldades. Artistas independentes, assim como os profissionais que trabalham nos setores que não aparecem, mas sem eles não existiria espetáculo. E como não se pode esperar nada de positivo do desgoverno Bolsonaro, o Parlamento ameniza a situação.
A pandemia do coronavírus afetou a vida de todo mundo e, por causa da falta de ação do governo federal, o Congresso Nacional aprovou recentemente um auxílio emergencial para quem ficou sem renda devido ao isolamento social. Mas nem todas as categorias foram contempladas. Trabalhadoras e trabalhadores da cultura ficaram de fora.
Emergência cultural
O projeto de Lei Emergencial da Cultura rodou o Brasil com inúmeros debates virtuais e pode inclusive ser votado nesta quinta-feira (21), na Câmara dos Deputados.
Jandira explica que o projeto pretende destinar ao setor cultural cerca de R$ 1,2 bilhão durante o período do isolamento. A estimativa é dar ajuda financeira para os espaços culturais independentes com R$ 10 mil mensais e impedir o corte de fornecimento de água, energia elétrica e telecomunicações para as instituições comprovadamente culturais.
“O setor cultural brasileiro precisa de proteção urgente. São espaços culturais, artistas, gestores, pessoas que dão a vida pela arte. Vamos em frente construir um texto que garanta o respeito que merecem”, afirma a deputada comunista em seu Twitter.
Em um debate virtual, o historiador, escritor e secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, entre 2004 e 2010, Célio Turino afirma a existência de 8.500 escolas de artes, 1.300 teatros, 4.000 pontos de cultura e cerca de 600 circos no país que necessitam desse apoio durante a quarentena. Ele assegura ainda que o Fundo Nacional de Cultura tem dinheiro suficiente para destinar o que está proposto pelo projeto a quem trabalha na cultura.
Logo no início da pandemia, teatros, cinemas, bares foram fechados e shows proibidos para não causarem aglomeração, como forma de impedir a disseminação da Covid-19. Em casa, muitos artistas ficaram sem trabalho e sem renda.
Tudo fechado
“Com tudo fechado, ficamos sem opções e precisamos criar maneiras de nos ajudar uns aos outros e batalhar por projetos que nos garantam manter nossos trabalhos, como o projeto de Lei Emergencial da Cultura”, afirma Zeca Magrão, vice-presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais de Minas Gerais e diretor do Movimento Nos Bares da Vida.
Ele conta que o sindicato e o Bares da Vida distribuem cestas básicas para músicos e musicistas do estado. “Temos que levar as cestas nas casas de muitos que não têm nem o dinheiro para o transporte. Os que conseguem se locomover vêm buscar na minha casa”. ele agradece o empenho do vereador de Pelo Horizonte, Gilson Reis (PCdoB), que “sempre apoiou as iniciativas do Bares da Vida e do sindicato”.
Dorberto Carvalho, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo, também apoia a Lei Emergencial da Cultura porque “o setor artístico, cultural e de entretenimento foi o primeiro a ser paralisado”. Mas, para ele, “o setor vem sendo sucateado há anos”.
Há um “rebaixamento de cachês, que sequer permitem alguma reserva para suportar o trabalho intermitente característico dessa atividade, seja pelo ataque sistemático que o setor vem sofrendo desde 2016 no governo Temer e depois intensificado pelo governo Bolsonaro”.
O sindicalista conta que na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, tramita o Projeto de Lei (PL) 253-2020, em moldes próximos à Lei Emergencial da Cultura nacional. Mas ressalta as iniciativas “de muita gente contribuindo para os fundos de apoio e são muitas entidades distribuindo cestas básicas, mas só as cestas não darão conta da sobrevivência desses trabalhadores”.
Sem negociação
Como observa a atriz e contadora de histórias, Lilia Marcheti ao relatar as dificuldades em negociar o pagamento do aluguel e de energia elétrica, porque os responsáveis “preferem ver o imóvel fechado e você na rua, do que negociar alguma forma de pagamento sem onerar ainda mais os nossos bolsos”.
Ela conta que não está passando tanto aperto, “embora haja aperto”, porque trabalha como arte educadora na Fundação Casa. Diz ainda que é obrigada ao trabalho presencial “semana sim, semana não” e fica em salas com dezenas de meninos, com o seu próprio álcool gel e máscara. Afirma também que aos 54 anos de idade, pela “primeira vez ” tem um trabalho com “carteira assinada”. o da Fundação Casa.
“Além de assumirmos o nosso papel, estamos passando a aula do ensino formal”, garante. “A carga horária é a mesma, mas estamos trabalhando muito mais e com muita pressão porque somos os únicos profissionais com contato direto com os meninos. Muitas vezes ficamos com vinte e dois meninos numa sala fechada”.
Para Pedro Guima, ator, performer e prosador, “está tudo parado. Só não estou passando fome e morando na rua por ter um cargo de professor de História em escola estadual”. Ele assinala ainda que os “artistas que estão respirando são os que têm grana de família, os que trabalharam bem nos últimos tempos e fizeram reservas ou os que possuem algum trabalho paralelo”.
Magrão acentua ainda os cortes sofridos na cultura em Minas Gerais, governado por Romeu Zema (Novo) da mesma forma como conta Dorberto em São Paulo, governado por João Doria (PSDB). O artista e sindicalista mineiro garante também que está em discussão um projeto de emergência em Minas Gerai para o setor cultural.
“O governo de São Paulo foi beneficiado pelo socorro de R$ 90 bilhões aos estados e munícipios, aprovado pelo Congresso, que além de ajuda financeira, garante uma moratória para dividas com o governo federal”, reforça o artista e sindicalista paulista.
E mesmo com a decretação de estado de calamidade pública pela Alesp, Doria anunciou “corte de 50% no Proac editais (Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo) que é o programa mais capilarizado da secretaria e atinge diretamente os territórios das periferias de São Paulo e interior e também o corte de 50% nos repasses para as Organizações Sociais, que sabemos, recairão diretamente sobre a atividade fim, aquela que beneficia a população e dá emprego aos trabalhadores da cultura e não sobre a atividade meio que é aquela que paga o salário de suas diretorias e funcionários”.
Somente em São Paulo, de acordo com a Fundação Seade, existem aproximadamente 640 mil trabalhadores da cultura “e seguramente 80% deles não têm reservas para se manterem sem trabalho”, alega Dorberto.
Qual futuro?
Como conta o ator Clayton Mariano, do grupo Tablado de Arruar. “Por sorte, este ano, eu tinha feito um filme para a Netflix e uma peça (no Sesc) antes do Carnaval, ou seja, antes da quarentena. Estou sobrevivendo com essa grana. Se fosse o ano passado, estaria desesperado”. Além disso, “negociei aluguel para diminuir gastos. Mas a questão está em como resistir daqui para frente, tendo em vista que o setor cultural e de eventos deve ser o que mais vai demorar para voltar”.
Na mesma situação está o diretor Luiz André Cherubini, do grupo Sobrevento de Teatro. “Estamos sem trabalho remunerado, como todos os artistas e técnicos em espetáculos de diversões que vivem exclusivamente de seu trabalho” e “estamos com poucas perspectivas de que possamos auferir, pelo menos até o fim do ano, alguma renda advinda do trabalho a que nos dedicamos e para o qual nos preparamos toda a vida”.
Por todos os relatos apresentados e os das matérias posteriores vê-se a necessidade de aprovação da Lei Emergencial da Cultura como relatado pela deputada federal Jandira Feghali. Trabalhadoras e trabalhadores da cultura agradecem, assim como toda a sociedade brasileira tão necessitada de cultura com ou sem isolamento.