Por José Reinaldo Carvalho (*)
A pandemia do coronavírus evidenciou uma eletrizante luta geopolítica, que tende a marcar doravante a vida política internacional.
O antagonismo entre os enfoques e ações dos Estados Unidos e da China em face da pandemia é revelador de que esta luta impregna o conjunto das relações internacionais. Como não podia deixar de ser, em torno das duas posições formam-se alinhamentos, resultando na criação de campos de forças opostos, mesmo quando não existam ainda alianças formalmente constituídas. A China avança cada vez mais com sua inteligente e hábil luta por construir uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade e promover a diplomacia de fraternidade, benefício mútuo, cooperação global e inclusão.
Chama a atenção neste processo, que pode estar ainda bem longe do fim, que a bandeira da cooperação internacional, da ação concertada, da solidariedade ganha cada vez mais terreno, o que é algo bastante favorável aos democratas, patriotas, anti-imperialistas e amantes da paz nos quatro cantos do globo.
Neste contexto, uma alvissareira novidade é a evolução dos embates diplomáticos no âmbito da ONU e das suas agências, nomeadamente a OMS no enfrentamento da pandemia. Os Estados Unidos já não podem fazer o que querem, muito menos manipular e instrumentalizar a seu talante a organização multilateral, nem avocar para seus fins exclusivistas e unilaterais o direito internacional.
Fato recente de destaque foi a realização na última segunda-feira (4) de uma reunião de trabalho do Movimento dos Países Não Alinhados, por videoconferência. O evento foi coordenado pelo presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, e contou com a presença de cerca de vinte chefes de Estado, do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterres, e do Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Durante a reunião, o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, um dos países mais ativos na cooperação internacional, fez um chamado pela solidariedade global, em face do alto número de infectados e das grandes perdas humanas, algo que ocorre apesar de o mundo estar cada vez mais interconectado e vivendo sob a égide da globalização financeira. “Vamos dizer honestamente, se tivéssemos a solidariedade globalizada como o mercado globalizado, a história seria diferente”, disse o presidente cubano.
Na contramão do imperialismo, os chefes de Estado e de Governo dos não alinhados adotaram uma declaração defendendo a necessidade de contribuir efetivamente para os esforços conjuntos, a fim de lidar com os efeitos sem precedentes da pandemia. O documento expressa uma forte condenação à promulgação e aplicação de medidas coercitivas unilaterais contra os Estados membros do Movimento dos Países Não Alinhados e insta a comunidade internacional a adotar ações urgentes e eficazes para eliminar seu uso.
A vida já demonstrou que sanções não atingem exclusivamente governos, mas os povos. E que no caso dos países sancionados pelo imperialismo estadunidense, como Cuba, Venezuela, República Popular Democrática da Coreia, Irã e Síria, entre outros, as sanções resultam em derrota política para os EUA, porquanto esses países são liderados por governos que mobilizam e unem seus povos em torno da defesa da nação.
Isto nos remete a reflexões sobre a necessidade da solidariedade internacionalista protagonizada por organizações dos movimentos populares, o que poderíamos denominar diplomacia entre os povos, o internacionalismo de massas.
A diplomacia entre os povos, também chamada de diplomacia civil ou diplomacia cultural, está presente na ação de partidos progressistas, comunistas, países socialistas e de orientação anti-imperialista.
É uma atividade ampla, não governamental, não partidária, embora dirigida indiretamente por partidos revolucionários. Mesmo que não se confunda com a diplomacia estatal, parlamentar e partidária, é complementar a estas.
Países como China, República Popular Democrática da Coreia, Vietnã, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Síria, Irã, Rússia, entre outros, exercem esse tipo específico de diplomacia, por meio de uma miríade de organizações sociais e culturais.
Como demonstra a luta política internacional que se desenvolve em meio à pandemia, é um tema intrínseco à realidade atual.
Para os países socialistas e revolucionários, é uma dimensão da atividade diplomática que ajuda a fomentar a solidariedade internacionalista e a luta anti-imperialista nos seus variados, múltiplos e amplos aspectos.
E reforça a atividade estatal e governamental voltada para a cooperação internacional, o diálogo entre civilizações, a luta pela democratização das relações internacionais, o desenvolvimento social e a paz.
No contexto atual, de brutal ofensiva do imperialismo estadunidense contra os direitos dos povos e a independência nacional, a violação dos princípios da Carta da ONU e da coexistência pacífica entre países e povos, de ameaças de agressão e guerra, a diplomacia entre os povos torna-se ainda mais relevante.
É um dos meios para se opor à ação das organizações do chamado “soft power” das potências imperialistas, nomeadamente os Estados Unidos, que se voltam em grande medida para fomentar o novo tipo de intervenção externa: as operações de mudança de regime. O imperialismo vale-se de instituições como o Fundo Nacional para a Democracia, a Action Aid, ligada à Fundação Ford, a Open Society, do bilionário George Soros, e a sionista Aipac, dentre outras, todas com braços no Brasil. Tanto os Estados Unidos como o Estado de Israel movimentam agências de provocação e contam com colaboradores nacionais.
No Brasil, por exemplo, há uma fundação ligada a um milionário que financia cursos, viagens ao exterior e a eleição de parlamentares e titulares de executivos municipais e estaduais. Desde a instauração do governo de extrema-direita, um dos filhos do inquilino do Palácio do Planalto dedica-se a instalar no país uma das filiais da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), uma organização reacionária sediada nos Estados Unidos.
As organizações da diplomacia civil e do soft power dos EUA e seus aliados têm sido ativas em contrarrevoluções e operações de mudanças de regime.
Não é possível enfrentar os atuais desafios internacionais sem a diplomacia entre os povos. Por meio desta atividade é possível fomentar esforços pela unidade entre diferentes correntes políticas democráticas, progressistas e anti-imperialistas.
No Brasil, a inteligência coletiva dos comunistas foi capaz de chegar em tempo hábil a essas conclusões e delas extrair lições práticas. A maior expressão disso foi a criação do Cebrapaz, que nos permite desenvolver o internacionalismo de massas.
A vasta atividade dessa organização política e social acumulou um rico patrimônio de relações internacionais e conquistou importantes vitórias na luta pela paz e na construção de amplos laços de solidariedade com países e povos, especialmente no âmbito da atuação no Conselho Mundial da Paz.
Uma judiciosa atividade internacionalista no âmbito das organizações políticas e sociais tem, para além de repercussões políticas notáveis, influência na formação ideológica da militância comunista, dos quadros dirigentes e seu entorno.
No exercício desta ação internacionalista, as organizações do movimento popular diversificam e enriquecem sua atividade política, ampliam o raio da sua atividade e exercitam uma tática ampla, combativa e flexível ligada a uma estratégia de acumulação revolucionária e prolongada de forças para a conquista da emancipação nacional e social.
Os povos do mundo, com suas lutas emancipadoras, e as nações que se empenham em defesa da sua soberania, necessitam de um programa internacionalista de unidade fraterna, programa que contenha princípios, metas e ações objetivas, que torne cada vez mais eficaz a solidariedade internacional.
(*) Jornalista, editor de Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e secretário-geral do Cebrapaz