Por Adilson Araújo
Realizado num ambiente de grave crise sanitária, econômica e política no Brasil, com a singularidade da sua realização e transmissão pela internet, o 1º de Maio deste ano pode ser um marco na construção de uma ampla frente política e social em defesa da democracia, da soberania nacional e do desenvolvimento com base no princípio constitucional da valorização do trabalho.
A pandemia do coronavírus exacerbou as contradições que perturbam a ordem capitalista internacional liderada pelos EUA, agravando a crise geopolítica e econômica global. A economia mundial deve encolher mais de 3%, se confirmadas as previsões do FMI, que desenha um cenário trágico para o Brasil, com queda de 5,5% no PIB. O tombo pode ser ainda maior, segundo outras previsões.
Neoliberalismo em xeque
Com a emergência da doença, foram evidenciadas as diferenças entre duas formas antagônicas de abordar a crise em suas dimensões sanitária e econômica. De um lado temos o modo liberal ou neoliberal, prevalecente no chamado Ocidente, adotado nos EUA e boa parte da Europa (Itália, Espanha, Inglaterra e França, entre outros), que inicialmente foi marcado pela subestimação da Covid-19, com a atitude de deixar a vida correr sem restrições, ao sabor dos mercados, como reza a doutrina do Laissez-faire.
Na outra ponta observa-se a reação de países orientais, com destaque para a China, que não vacilou nem tardou a adotar medidas drásticas e promover uma forte intervenção do Estado na economia, com foco no isolamento social e na preservação do emprego e da renda para controle da pandemia e amenização de seus efeitos sociais.
O custo econômico e sanitário da crise já se revela muito menor na China e em geral no Oriente (a Ásia é a única região do mundo para a qual o FMI prevê crescimento em 2020) do que nos EUA, Europa e Japão, o que pode ser interpretado como uma prova da superioridade do socialismo chinês sobre o capitalismo neoliberal aplicado naqueles países. O coronavírus está acelerando o inexorável processo de transição para uma nova ordem mundial.
Tragédia nos EUA
A doença avança com rapidez. Até quinta-feira (28) o vírus havia provocado 231 mil mortes no mundo, sendo 62,4 mil nos EUA, onde já foram registrados mais de 1 milhão de casos e a alta letalidade da doença está associada à inexistência de um sistema público de saúde, que foi transformada numa mercadoria rara e cara.
No Brasil, já somam mais de 6mil mortes e 87 mil casos confirmados, um desastre bem maior que na China, que registra 83,9 mil casos e 4.637 mortes para uma população estimada em 1,41 bilhão. Mas o número real de vítimas fatais e infectados em nosso país pode ser bem maior.
Em São Paulo, epicentro da doença, os dados da realidade estariam 168% acima do número atribuído oficialmente ao coronavírus, segundo estudo do epidemiologista Paulo Lotufo, da USP, que teve acesso a levantamentos do Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (PRO-AIM), da Secretaria Municipal da Saúde.
Desemprego
O quadro piora quando observamos que a economia nacional já estava mergulhada na estagnação antes da pandemia, após a severa recessão de 2015/16. As últimas estatísticas do IBGE indicavam a existência de mais de 12 milhões de desempregados diretos, acrescidos de cerca de 5 milhões no desalento e quase 40 milhões de informais.
A restauração neoliberal é em grande medida responsável por esta situação social dramática, que está se agravando. Estudo da FGV sugere que a taxa de desemprego vai dobrar no auge da recessão, chegando a inéditos 25% da PEA.
Para o movimento sindical, impõe-se a defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora e do povo, destacando-se as conquistas consagradas em acordos e convenções coletivas, que estão sendo alvo neste momento de uma brutal ofensiva patronal com irrestrito respaldo do governo. Estima-se em mais de 5 milhões o número de acordos individuais com corte de salários impostos pelo patronato.
É fundamental proteger o emprego e os salários, prorrogar o prazo do seguro-desemprego, garantir acesso amplo e irrestrito à renda mínima para trabalhadoras e trabalhadores informais e desempregados, auxílio doença emergencial para trabalhadores aposentados em situação de risco.
Recuperação da economia
Garantir emprego e renda da classe trabalhadora, além de um imperativo de justiça social, também é a forma mais eficaz de proteger o mercado interno e viabilizar uma recuperação mais rápida e saudável da economia nacional.
É preciso maior atenção para a vida, saúde e segurança dos agricultores familiares, cujo trabalho produz 70% dos alimentos consumidos por nossa sociedade e deve ser valorizado; é essencial preservar a soberania alimentar para garantir o abastecimento.
É essencial assegurar as medidas de segurança, prevenção e proteção às categorias que, executando atividades essenciais, estão excluídas do isolamento. A proteção dos profissionais da saúde, que estão na linha de frente da guerra contra o coronavírus, arriscando as próprias vidas, requer cuidados especiais que em geral não estão sendo devidamente observados pelas autoridades federais, estaduais e municipais, o que constitui uma negligência inaceitável.
Em todo o mundo, a crise evidenciou a irracionalidade da ideologia neoliberal fundada na falácia do Estado mínimo. É hoje mais evidente que a solução dos problemas não virá espontaneamente dos mercados. Requer uma forte intervenção do Estado na economia.
A resistência do governo Bolsonaro e em particular do Ministério da Fazenda neste sentido é um dos principais obstáculos a vencer na luta em defesa da vida, da saúde, do emprego, da renda e da própria economia nacional. Recentemente, Paulo Guedes reiterou a defesa da política fiscal restritiva que impede a recuperação da economia, cuja irracionalidade tornou-se óbvia com o advento da crise sanitária.
Ricos devem pagar
É preciso que os ricos ajudem a pagar o ônus da crise. Banqueiros, grandes empresários, rentistas, especuladores e investidores não podem ficar mais uma vez isentos de qualquer contribuição; é urgente instituir o imposto sobre grandes fortunas e o patrimônio, suspender o pagamento da dívida pública, taxar lucros e dividendos e ao mesmo tempo corrigir a tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.
O Palácio do Planalto continua apegado ao propósito de aproveitar a crise para aprofundar o retrocesso e o desmonte do Direito do Trabalho. Sofreu um revés com o fim da vigência da MP 905, que criou o contrato verde e amarelo, mas mantém a MP 936, em análise do Congresso, um golpe mortal nos direitos trabalhistas e na organização sindical.
É necessário trabalhar em unidade pela concretização das propostas defendidas pelas centrais e apresentadas a inúmeras autoridades. Impõe-se a revogação da EC 95, que congelou os gastos públicos; o fortalecimento do nosso Sistema Único de Saúde, o SUS.
Também cobra urgência a ampliação de medidas de proteção às pequenas e médias empresas nas cidades e os agricultores familiares no campo; preservar os acordos e convenções coletivas, combater a individualização das negociações trabalhistas e assegurar os poderes e atribuições dos sindicatos; solidariedade e proteção para todos os estados e municípios, sem discriminação ideológica e política.
Fora Bolsonaro
Assistimos ao longo dos últimos dias o agravamento da crise política e institucional que abala a República e põe em causa seus alicerces por culpa exclusiva e deliberada do presidente Jair Bolsonaro, que ao invés de liderar o combate nacional ao coronavírus, vai na contramão da ciência, da OMS e do bom senso e, de modo irresponsável e temerário, critica o isolamento e subestima os efeitos deletérios da doença.
Em poucos dias presenciamos a queda de dois ministros. Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça. Este último, que teve destacado papel na eleição do líder neofascista, saiu atirando. Acusa Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal para manter a impunidade dos filhos corruptos, o que constitui mais um crime de responsabilidade e justificou novos pedidos de impeachment na Câmara Federal.
Com seu comportamento insano o líder neofascista tenciona abrir caminho à ruptura democrática e à implantação de um regime autoritário, ditatorial, a exemplo do que fizeram os militares em 1964.
Ele afronta a Constituição, agride instituições, jornalistas, populares e comete recorrentemente a quebra de decoro; nestas condições, a luta em defesa da democracia ganha centralidade e demanda a constituição de uma ampla frente política e social contra o atual governo, procurando nela incluir governadores e prefeitos. O movimento sindical deve também adotar uma posição firme contra as propostas de adiamento das eleições municipais.
O 1º de Maio unificado das centrais, transmitido pela internet, com a participação de personalidades políticas de diferentes legendas e orientações políticas e ideológicas, configura uma contribuição decisiva da classe trabalhadora para a formação da Frente Ampla em Defesa da Democracia.
Embora ainda conte com o apoio de parte da sociedade, sobretudo na burguesia e pequena burguesia, a popularidade de Jair Bolsonaro vem caindo enquanto crescem os protestos contra sua conduta irresponsável; tendo em vista a orientação de isolamento, o descontentamento está sendo exteriorizado em protestos noturnos através de panelaços.
A saída da crise começa pela concretização da palavra-de-ordem mais agitada no momento: Fora Bolsonaro.