Por Railídia Carvalho
Foi no dia 30 de abril do ano passado que a sambista Beth Carvalho deixou o Brasil órfão da artista que encarnou a voz do samba. Era véspera de 1º de maio, dia do trabalhador, data querida pela cantora que teve a carreira marcada por abraçar as causas políticas populares e as lutas democráticas. Nos atos daquele ano, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) reivindicou: “A Beth precisa dar nome a este 1º de maio. Ela não podia ter escolhido outra data para dar adeus a nós que não fosse o 1º de maio. Ela que esteve em muitos primeiros de maio”, disse a deputada.
A carreira de mais de 50 anos de Beth Carvalho combinou coerência artística e política identificada com a esquerda brasileira. A primeira vez que Beth pisou nos palcos tinha sete anos e cantou no programa de auditório Trem da Alegria (Yara Salles, Heber de Bôscoli e Lamartine Babo) a música “Lata D’água”(Jota Junior e Luiz Antonio) porque queria ganhar uma boneca no show de calouros. Ainda que pela brincadeira de carnaval, Beth escolheu um samba que fala da mulher trabalhadora: “Lata d’água na cabeça/Lá vai Maria, lá vai Maria/Sobe o morro e não se cansa/Pela mão leva a criança/Lá vai Maria”.
Se o trabalho esteve na primeira apresentação de Beth, a luta pela liberdade e democracia foi cantada por ela um ano antes da partida. Uma das últimas gravações de Beth foi em abril de 2018 o samba “Lula Livre” (Claudinho Guimarães) como parte da campanha dos sambistas pela liberdade do ex-presidente Lula, libertado em novembro de 2019. Na homenagem a Beth, Jandira reiterou a consciência política da cantora e as lutas recentes pela unidade das forças democráticas.
“Muito antes de nós, Beth já fazia parte da luta contra a ditadura. Fez parte de muitas lutas do povo brasileiro sem perder o pé na realidade do nosso povo, pela arte, pela esquerda, pela coerência e por tudo o que ela sempre defendeu. Nos últimos 12 anos superando a dor, a limitação física, a doença e, até anteontem, ela esteve nos palcos defendendo a nossa unidade e defendendo a democracia”, lembrou Jandira. “O povo tem muito a agradecer a Beth Carvalho”.
O 1º de maio de 2018, em Curitiba, foi o último com a presença de Beth Carvalho. Na ocasião, as centrais unificadas reivindicavam entre outras pautas uma política de geração de empregos e o fim da Emenda que congelou gastos em saúde e educação. Na crise sanitária mundial que chegou ao Brasil com a pandemia do coronavírus essas pautas continuam urgentes e presentes nas reivindicações do movimento sindical.
A dobradinha samba e política define a trajetória de Beth Carvalho que convivia com os sambistas Nelson Cavaquinho, Arlindo Cruz, Almir Guineto, a turma do Cacique de Ramos e também convivia e se inspirava nos ideais de justiça social de líderes como Leonel Brizola, Fidel Castro e Che Guevara. Cantou Zeca Pagodinho, Noca da Portela, Nelson Sargento e exaltou a luta dos trabalhadores e trabalhadoras, o movimento dos trabalhadores Sem Terra, a luta pelas Diretas Já.
Em 2015, a cantora divulgou nota de repúdio contra o movimento de direita #Vem Pra Rua, que apoiou o golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff. O grupo usou a interpretação de Beth da música Vou festejar (Jorge Aragão, Neoci Dias e Dida) em uma passeata no Rio de Janeiro. Beth divulgou uma nota de repúdio: “Tal movimento está em dissonância absoluta tanto com os meus posicionamentos políticos, como com o que esta música representa historicamente. Não poderia ser usada em hipótese alguma”.
Beth Carvalho defendeu o samba, as ideias de justiça social e militou politicamente até o fim da vida. Neste 1º de maio uma homenagem do Portal CTB a esta cantora, que marcou a história da música brasileira e das lutas populares ao dar voz ao Brasil dos compositores do morro, negros, pobres e aos movimentos do subúrbio e das periferias brasileiras, representantes da massa que vai virar esse jogo. Tá na hora da virada, Beth!
foto: Emílio Rodriguez/jornalistas Livres
Pra se inspirar nestes tempos de luta ouça Beth Carvalho cantando Virada, de Gilper e mestre Noca da Portela