Por Francisca Rocha
Mesmo em meio à maior pandemia da história da humanidade, parte dos governadores estabelece o ensino remoto de apoio pedagógico como forma de responder à suspensão das aulas e manter o calendário letivo de 2020.
Sendo que a maioria dos governadores atua em favor da privatização e, portanto, contra a educação pública. O Ministério da Educação (MEC) sob o governo insano de Jair Bolsonaro defende a educação a distância (EaD) e o “ensino domiciliar” como forma de transferir as verbas públicas para os barões da educação e transferir a responsabilidade do Estado para as famílias. Desconhece o profundo foço da desigualdade no país.
Basta ver o ensino remoto implantado pelo governo paulista desde a segunda-feira (27), que acarreta transtornos na vida das famílias tanto de estudantes quanto dos profissionais em isolamento social.
Primeiro porque com a necessidade da quarentena para impedir a maior disseminação do coronavírus, principalmente as mulheres, que respondem por mais de 80% de quem trabalha na educação básica, enfrentam uma sobrecarga de trabalho ainda maior do que a costumeira em tempos sem pandemia.
Em São Paulo, por exemplo, o governador João Doria impõe o ensino remoto sem nenhum diálogo com a sociedade e menos ainda com os profissionais da educação. A Secretaria de Educação do estado deu apenas três dias para todos os profissionais se apropriarem do projeto.
Nem se preocupou com a verdadeira calamidade que está a educação pública paulista com escolas caindo aos pedaços, sem a estrutura mínima necessária para o bom desenvolvimento do ensino. Além disso, o governador esquece os péssimos salários que paga para os mais de 150 mil profissionais, que precisam de desdobrar para conseguir um salário razoável para sustentar a família.
Doria esquece desse fato primordial. As professoras e professores têm família para sustentar. E ainda precisam se manter atualizados e em condições de responder à demanda de novos conhecimentos da comunidade escolar onde se inserem.
A falta de estrutura nas escolas públicas do país e de São Paulo parece um projeto político determinado a impedir a ascensão social das filhas e filhos da classe trabalhadora através dos estudos. Nesse contexto o projeto de ensino a distância (EaD) visa somente aumentar os altos lucros dos barões da educação.
Eles têm todos os mecanismos para implantar um sistema de ensino com privilégio para os mais ricos, mantendo à míngua os mais carentes para manter a maioria das pessoas na total ignorância, sem cidadania, sem conhecimento de seus direitos.
Eles se aproveitam da pandemia para impor seus projetos e aumentar seus ganhos em meio à desgraça de muita gente. Não se importam com a saúde, com a qualidade do ensino, com a vida. Só pensam em ganhar mais e acumular mais riqueza e ainda propagar a ideia de que isso é natural.
A resposta de ensino remoto da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo determina a retomada das aulas remotas a partir da segunda-feira (27), sem dialogar com ninguém e, principalmente, sem levar em consideração a precariedade da educação pública no estado.
Implantado esse projeto que desconhece a realidade de abandono da maioria das escolas públicas estaduais, principalmente da periferia, dos sucessivos cortes de verbas, das salas superlotadas e, essencialmente, de que grande parte dos alunos não tem condições de acompanhar uma educação a distância de suas residências por não terem acesso à internet, computador e espaço físico em suas casas para se dedicar aos estudos. Desconhece também que boa parte das mães e dos pais não têm condições de acompanhar os estudos de seus filhos. E mais ainda de que as mulheres têm dupla jornada de trabalho.
Por isso, implantar educação a distância no ensino básico significa aprofundar as desigualdades socioeducacionais, segregando a maioria da população. No âmbito profissional fere a liberdade de cátedra, tira a autonomia da escola e das professoras e professores, implanta uma padronização que liquida a diversidade social, cultural e étnica do país e privilegia os mais ricos.
O governador Doria entrega a gestão da educação pública estadual a empresas privadas que vendem seus produtos e querem abocanhar cada vez mais as verbas públicas do ensino, inclusive do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), criado em 2006 para suprir a demanda da educação pública.
Um ótimo exemplo de como essa questão está sendo gerida, é o Programa Merenda em Casa, do governo paulista. Estão destinados R$ 40,5 milhões por mês, durante os meses de isolamento com objetivo de enviar alimentos para 3,5 milhões de estudantes, através do aplicativo da pic pay, uma empresa para proporcionar pagamentos online, mas são os profissionais da educação que são obrigados a cuidar de todos os tramites do programa.
Mais uma vez o governo Doria impõe um programa sem nenhuma discussão com a sociedade. Os problemas, porém, não param aí. Cabe ao governador explicar para onde vai o dinheiro que sobra porque 30% das famílias não conseguem se cadastrar para receber esse auxílio para a alimentação de seus filhos.
Para piorar ainda mais, parte dos governadores se aproveita da Emenda Constitucional 95, em vigor desde 2017, que congela os gastos com o setor público e também os salários das trabalhadoras e trabalhadores públicos.
O ministro da Economia, Paulo Guedes em defesa dos interesses do mercado disse nesta segunda-feira a sua pretensão de congelar os salários das servidoras e servidores públicos federais, mesmo em meio à profunda crise política que o governo federal instaura no país como sua forma de desgovernar.
Sob todos esses ataques, os docentes vêm trabalhando à exaustão para manter o compromisso com um bom desenvolvimento do processo de ensino no país e no estado de São Paulo. Mas as consequências da implantação da privatização da educação serão avassaladoras sobre os profissionais do setor.
Cabe lembrar que nada substitui as aulas presenciais porque é importante a interação entre os diversos conhecimentos que se revelam fundamentais para o pleno desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças e jovens.
As novas tecnologias devem ser utilizadas em benefício de todas e todos, sem excluir ninguém e sem a pretensão de substituir a sentido de humano no processo educacional.
Crianças precisam se relacionar com outras crianças para se transformar em cidadãos e adultos conscientes. E a troca de saberes não pode ser efetiva sem a mediação da professora e do professor coordenando o processo ensino-aprendizagem.
Como diz Paulo Freire, o “importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se amarrar nela” porque “escola é sobretudo, gente. Gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima”
Francisca Rocha é secretária de Assuntos Educacionais e Culturais do Sindicato dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), secretária de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE) e dirigente da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB-SP). .