O sociólogo Marcos Coimbra afirma que o antibolsonarismo é muito mais abrangente que o antipetismo, ao contrário da versão divulgada pela mídia conservadora. Ele conclui: “Se depender da escolha livre do eleitorado, o pesadelo bolsonarista será breve”.
Nem todo mundo sabe, mas, hoje, o antibolsonarismo é maior que o antipetismo. Na verdade, bem maior. Inversamente, a proporção de pessoas que têm uma atitude favorável em relação ao PT, a Lula e às lideranças e bandeiras do partido ultrapassa, em muito, as que pensam positivamente a respeito de Bolsonaro, suas ideias e governo.
Há tempo que o mito do “crescimento da rejeição ao PT” (e tudo que dele decorre) faz parte de nosso senso comum. Tanto, que muitos passaram a considerá-lo um dado de natureza, que dispensa comprovação. Repetido como um mantra desde, pelo menos, 2013, tornou-se uma daquelas verdades que, embora falsas, parecem ser auto-evidentes. Ainda mais depois do resultado da eleição de 2018, que a maioria dos entendidos explicou como se fosse a expressão do “maciço” (e, ao que parece, em sua opinião, “natural”) antipetismo na sociedade.
Isso, no entanto, não procede. Não há evidências de que tenha havido, nos últimos anos, uma mudança relevante nas proporções de aprovação/reprovação do PT e, muito menos, de que a vitória de Bolsonaro decorra do crescimento do antipetismo. Ao contrário, dizer que é o antipetismo (supostamente espontâneo e “normal”) que explica o bolsonarismo equivale a naturalizar o resultado da eleição de 2018, transferindo a responsabilidade por termos um desqualificado à frente do Executivo às escolhas racionais de eleitores “decepcionados” com o PT.
Na mais recente pesquisa do instituto Vox Populi, antibolsonaristas e antipetistas foram definidos como a soma das pessoas que “detestam” ou “não gostam, sem chegar a detestar” de um ou outro. No primeiro caso, do personagem em si, seu comportamento e as coisas que fala (dado que o capitão sequer está filiado a um partido). No segundo, do partido propriamente dito.
Nesses termos, são antibolsonaristas 47% dos entrevistados, enquanto que 25% são antipetistas. Ou seja, as pessoas que têm sentimentos negativos em relação a Bolsonaro são cerca do dobro das que antipatizam ou desgostam do PT. Vice-versa, o contrário: 38% dizem “gostar muito” ou “gostar, sem ser muito” do PT e 28% de Bolsonaro.
Em relação ao PT, esses resultados, do final de 2019, são quase idênticos aos de cinco anos atrás: em maio de 2015 (já em pleno desgaste da imagem de Dilma), 31% dos entrevistados, empregando a mesma métrica, podiam ser considerados antipetistas, taxa que permaneceu sem mudar até às vésperas da eleição passada (em outubro de 2018, estava em 29%). Como se vê, os números não sugerem que tenha ocorrido, ao longo de 2018, uma elevação significativa do antipetismo, capaz de explicar a vitória de Bolsonaro.
Note-se que haver uma proporção estável, de pouco menos que um terço de antipetismo em nossa sociedade, faça chuva ou faça sol, não significa imaginar que os dois terços restantes são eleitores que, em algum momento, o partido teve e perdeu. Em nenhuma eleição nacional desde 1989, o PT conseguiu mais que 60% dos votos válidos ou mais que 46% do voto total, o que significa dizer que, no mínimo, 40% dos eleitores que compareceram às urnas (ou 54% dos cidadãos aptos a votar) não votaram em um candidato do PT (estamos falando de Lula em 2006, contra Alckmin no segundo turno, o melhor resultado obtido pelo PT em todos os tempos).
Hoje, uma parcela expressiva do antipetismo vem das pessoas que gostam de Bolsonaro, mas não a totalidade: entre os 25% antipetistas, 16% (ou seja, dois terços) são bolsonaristas, mas há 9% que não gostam ou repudiam Bolsonaro (entre os quais estão os 4% que rejeitam ambos, simultaneamente). O antibolsonarismo, por sua vez, abriga maior diversidade: 40% das pessoas que não gostam ou detestam Bolsonaro não simpatizam ou se identificam com o PT.
Bolsonaro e sua claque representam uma minoria, que chegou ao poder depois de uma sucessão de manipulações: juízes e procuradores facciosos condenaram e prenderam Lula, impedindo que o PT pudesse disputar com seu candidato natural, os militares ultrarreacionários proibiram que ele falasse, Bolsonaro se escondeu do debate público e, para arrematar, trapacearam a eleição com toneladas de fake news contra Haddad, despejadas com grana ilegal e o beneplácito dos empresários da fé evangélica. Enquanto isso, a “grande imprensa” olhava para o lado e fingia que não via. Chega a ser cômico afirmar que o antipetismo é a causa da vitória do capitão.
A turma de Bolsonaro pode querer desfechar um golpe para estabelecer uma ditadura e pode até conseguir. Mas uma coisa é certa: não será porque “o povo quer” ou “em resposta aos anseios populares”, como os militares gostavam de dizer a respeito de suas intervenções na politica antes de 1964. Se depender da escolha livre do eleitorado, o pesadelo bolsonarista será breve.