Durante o Carnaval, o presidente Bolsonaro compartilhou em seu número pessoal de WhatsApp vídeo convocando ato contra o Congresso Nacional. No texto que enviou junto com o vídeo, o presidente escreveu: “15 de março, Gen Heleno/Cap Bolsonaro. O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre”. A mesma arte foi divulgada por Regina Duarte, anunciada como futura secretária da Cultura do Governo Federal. Alguns panfletos convocatórios evocam o Ato Institucional nº 5 da ditadura militar (AI-5, que cassou mandatos de parlamentares oposicionistas, interveio nos municípios e estados e favoreceu a institucionalização da tortura de presos políticos) e pedem a saída dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.
O ato do chefe do Executivo causou apreensão nos titulares do Executivo e Judiciário e o repúdio de governadores, parlamentares e entidades e personalidades democráticas, sindicais e populares. Atiçou o debate sobre a democracia e a liberdade de manifestação, e sobre o exercício da política.
Atiçando conflitos
O exercício da política, quando vinculado ao Estado, ao governo e à administração pública, implica no ato de governar. Uma característica considerada fundamental do governar é a capacidade de mediar conflitos. Não é isto que o país vem vivenciando com o Governo Bolsonaro. Vinculado aos interesses dos grandes financistas, privilegia-os nas medidas econômicas e sociais que adota (contrato de trabalho “Verde e Amarelo”, sem direitos para os trabalhadores; reforma da Previdência que liquidou com o direito à aposentadoria; cortes orçamentários para a saúde, educação, saneamento; facilitação do desmatamento ilegal por grandes empresários etc.). Ao mesmo tempo, acirra conflitos, como a convocatória de ato contra os poderes Legislativo e Judiciário. Até os oligopólios midiáticos que favoreceram a eleição do atual presidente expressaram descontentamento, não com a orientação econômica governamental, que lhes favorece, mas com a postura belicosa adotada, como ficou estampado em editoriais publicados nesta semana:
“O presidente precisa esclarecer, sem meios termos, que não apoia a convocação de uma manifestação em sua defesa e contra o Congresso Nacional. Os cidadãos são livres para se manifestar contra quem bem entenderem, mas um presidente da República não é um cidadão comum e não pode permitir que seu nome seja usado para alimentar um protesto contra os demais Poderes constituídos. Se aceitar essa associação, ou, pior, se incentivá-la mesmo indiretamente, Bolsonaro estará corroborando as violentas críticas que esses apoiadores, em claro movimento golpista, estão fazendo contra o Congresso, tratado nas redes sociais bolsonaristas como ‘inimigo do Brasil’”. (O Estado de S. Paulo)
“Diante das demonstrações reiteradas de desprezo pela institucionalidade e de violações dos requisitos legais de honra, decoro e dignidade para o exercício da Presidência, talvez apenas o medo do impeachment possa deter a perigosa aventura Bolsonaro.” (Folha de S. Paulo)
“A adesão pelo presidente, por meio de vídeo, na terça-feira, a uma convocação bolsonarista para atos de rua em 15 de março, contra o Congresso e o STF, representou mais uma elevação de tom de Bolsonaro na sua escalada de mau comportamento e de desrespeito”. (O Globo)
Política para quê?
Todos as pessoas que vivem em sociedade fazem política. Algumas, no entanto, opinam que ela não é e nem deve ser praticada por gente decente e que todos os políticos são desonestos e deveriam ser encarcerados. Os inúmeros escândalos em que os políticos são envolvidos e a suspeição constante dos seus atos pelos meios de comunicação favorecem essa visão. Mas a sociedade é política. As pessoas vivem em um sistema político e convivem com partidos políticos, e a economia política regula a vida social.
A visão do que é a política influencia a forma de praticá-la. Se é vista como um negócio, é realizada como uma oportunidade de enriquecimento financeiro. Não são poucos os que pensam assim, assim votam e assim se candidatam a postos de poder. Daí a percepção de que a prática política é corrompida e corruptora.
Para muitos ativistas das organizações sindicais populares, o poder político deve atender aos que não têm acesso à saúde, à educação, à habitação, ao saneamento, ao transporte público, à qualidade de vida. Nessa perspectiva, o poder político objetiva ser instrumento de construção de uma sociedade justa, com desenvolvimento econômico e social inclusivo e ecologicamente sustentável.
No entanto, quando o movimento popular e seus representantes buscam saída para os problemas enfrentados pelos trabalhadores e demais setores, os que são beneficiados pelo sistema vigente e o veem ameaçado buscam criminalizar e desqualificar suas mobilizações e protestos. Investem contra o “fazer política”, pois se trata de uma política que os contraria. Atacam os partidos políticos, instituições que disputam o poder e aglutinam interesses econômicos, ideológicos, corporativos, regionais, religiosos e outros.
Os partidos políticos são uma necessidade histórica, e mesmo quem os ataca, como faz o presidente Bolsonaro, que diz querer livrar o país “dos políticos de sempre”, busca fundar seu próprio partido, chamado Aliança pelo Brasil, com o apoio de igrejas pentecostais e entidades empresariais. Até nos países sob governos autoritários os partidos existem ou buscam existir, quando necessário na clandestinidade, como ocorreu no Brasil nos períodos ditatoriais.
Manifestações antagônicas
A luta política – e partidária – é a luta pelo poder. Para Max Weber, poder político “significa toda probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. A imposição é feita através da persuasão ou da coerção. Nas formações sociais antagônicas – como o capitalismo –, o poder expressa os interesses das classes dominantes, mas se apresenta como se estivesse acima delas.
Uma peculiaridade deste momento no país é que o chefe do Poder Executivo quer limitar, talvez impedir, a atuação dos outros poderes constitucionais e, para isso, acionou seus apoiadores mais radicais e prepara o ato de 15 de março. Caso tenha êxito, essa ação tem nome: golpe!
Para evitá-lo, as centrais sindicais destacam a importância das mobilizações que já estão sendo organizadas por diversas categorias de trabalhadores e setores da sociedade, programaram, para o dia 3 de março, no Congresso Nacional, reunião dos partidos e organizações da sociedade civil em defesa do Estado Democrático de Direito e das instituições republicanas, e indicam a participação nos atos de 8 de março, Dia internacional da mulher; 14 de março, em memória da luta da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2017; 18 de março, em defesa dos serviços públicos, empregos, direitos e democracia; e1º de Maio, Dia do Trabalhador.
Carlos Pompe