Após a saída do ex-presidente Evo Morales rumo ao México, onde receberá asilo político, cresce a resistência de grupos indígenas, trabalhadores e camponeses contra o golpe de Estado. Milhares de apoiadores do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, partiram de El Alto com destino à capital, La Paz, nesta segunda-feira (11). Munidos de paus e da bandeira multicolor Whipala – que representa os povos andinos–, eles marcharam aos gritos de “agora sim, guerra civil”, dispostos a fazer o enfrentamento com as forças policiais e grupos paramilitares de extrema-direita. Por outro lado, as Forças Armadas anunciaram ações conjuntas com a polícia para tentar conter os protestos na capital, no que vem sendo apontado como um estado de sítio não-oficial.
“O elemento mais importante a ser destacado é o crescimento da resistência. Mesmo com a renúncia de Evo, já a caminho do México, mesmo sem o comando do MAS à frente do Estado, há uma crescente resistência popular, o que colocará vários obstáculos ao bloco golpista. E acende a esperança de que essa situação, mais cedo ou mais tarde, possa vir a ser revertida”, afirmou o jornalista Breno Altman, editor do portal Opera Mundi, ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta terça-feira (12).
Em paralelo ao crescimento das tensões entre a resistência e as forças de repressão, há um “vácuo de poder” político no país, até o momento, já que toda a linha sucessória que poderia ocupar a cadeira presidencial – o vice-presidente, Álvaro Garcia Linera; a presidenta do Senado, Adriana Salvatierra, e o presidente da Câmara dos Deputados, Victor Borda – também renunciou juntou com o Morales. A segunda-presidenta do Senado, Jeanine Añez, anunciou que pretende ocupar a presidência interinamente e convocar eleições presidenciais em 90 dias, mas, segundo Altman, não há previsão constitucional para que ela assuma.
O cenário é agravado por disputas internas entre a ala golpista “moderada”, do ex-presidente Carlos Mesa, e a ala “dura”, liderada pelo presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, que comanda as milícias armadas. “A ala moderada é uma ala golpista, como todas as outras, mas quer uma rápida institucionalização do processo, com a convocação de eleições para que a Bolívia possa ao menos simular alguma normalidade institucional”, disse Altman. “Por outro lado, a ala dura, dá sinais de querer a instituição de uma junta provisória, com participação cívico-militar. Uma ditadura escancarada, com o propósito de destruir o MAS e as forças de esquerda do país, e só então organizar um processo eleitoral com cartas marcadas.”
“Macho” Camacho
O editor do Opera Mundi classificou Camacho, que se autointitula “Macho” Camacho, como um “fascista delinquente” e “arrivista”. Ele lidera os setores mais reacionários e racistas da elite de Santa Cruz. “É a cidade onde está concentrada a burguesia branca boliviana, de onde historicamente nascem os golpes contra governos progressistas. Quando Evo ganhou, em 2005, esse grupo conspirou contra ele, tentando articular uma situação golpista que o impedisse de governar o país.”
Camacho também tem adotado a alcunha de “Bolsonaro boliviano”, e além dos traços de violência fascista, combina elementos de fundamentalismo religioso. Ele se apresenta como um suposto representante de uma “justiça divina” contra os “comunistas” do MAS e indígenas, que tem uma cosmovisão baseada na crença e adoração da Pachamama (Mãe-Terra). Ele chegou a invadir o Palácio Quemado, sede presidencial, no domingo, e foi fotografado com uma bíblia aberta sobre a bandeira boliviana. “A Bíblia vai voltar ao Palácio do Governo”, era o seu lema nos últimos meses, quando liderou a ala radical contra o presidente Evo Morales.
“Ele representa o anseio da burguesia de Santa Cruz de estabelecer uma ditadura aberta, para desmontar tanto a estrutura política do estado plurinacional que Evo veio construindo nos últimos anos, quanto as conquistas econômicas e sociais do país. Eles querem a privatização das riquezas minerais. Defendem um novo modelo econômico vinculado umbilicalmente aos Estados Unidos e outros centros capitalistas, o que é uma regressão geral desse projeto econômico de resultados tão importantes”, afirma Altman. O viés racista anti-indígena, segundo ele, além da herança dos tempos coloniais, representa o ódio da elite contra os avanços sociais conquistados por indígenas, camponeses e trabalhadores.