Fortuna dos 200 endinheirados equivale a quase seis meses de salário em todo o mercado de trabalho
O empresário mineiro Salim Mattar Júnior, fundador e sócio da Localiza, de aluguel de carros, tem uma fortuna de 1,8 bilhão de reais. Esse patrimônio faz dele o 152o maior rico do País em um ranking recente da revista Forbes com os 200 bilionários brasileiros. Mattar Jr. pertence ao governo Jair Bolsonaro. É o homem das privatizações do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O ranking dos bilionários tem pelo menos outros sete empresários bolsonaristas. Uma turma sem motivos para se queixar de 2019, ao contrário de 12,2 milhões de brasileiros desempregados, de 4,7 milhões que desistiram de procurar vaga por achar inútil (desalento), de 24,4 milhões que se viram por conta própria (vendedores de churros, pipoca, etc.), de 11,8 milhões que trabalham sem carteira.
A fotografia de momento do mercado de trabalho foi divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 31 de outubro, com base em dados de setembro. É de setembro o novo ranking dos endinheirados nacionais.
Além de Mattar Jr., os demais bolsonaristas da lista são Rubens Menin (construtora MRV e canal CNN Brasil, 11,5 bilhões de reais), Luciano Hang (lojas Havan, 8,2 bilhões), Elie Horn (construtora Cyrela, 4,6 bilhões), Flavio Rocha (Riachuelo, 2,8 bilhões), Sebastião Bomfim Filho (lojas Centauro, 1,9 bilhão), Silvio Santos (SBT, 1,6 bilhão) e Edir Macedo (Record, 1,4 bilhão).
O patrimônio somado dos oito bilionários, incluído aí o secretário de privatizações, Mattar Jr., é de 33,8 bilhões. O dos 200 ricaços da lista, liderados por Jorge Paulo Lehman (Ambev, 104 bilhões de reais), é de 1,205 trilhão de reais. O mercado de trabalho brasileiro tinha em setembro 93,8 milhões de pessoas. Elas precisariam trabalhar 5,7 meses para acumular a fortuna de 200 conterrâneos.
Essa massa salarial mensal era de 210 bilhões de reais em setembro, conforme o IBGE. O salário médio de cada trabalhador era de 2.298 reais. Um valor inferior ao encontrado por Jair Bolsonaro quando de sua posse, 2.312 reais. A taxa de desemprego também era menor em dezembro de 2018, de 11,6%. Agora está em 11,8%, patamar inalterado desde julho.
A informalidade bate recordes, segundo o IBGE. São vagas que pagam pouco. Não surpreende a economia andar no ritmo de 1%. Um analista do mercado financeiro paulista diz: como as vagas são precárias e os salários, baixos, as pessoas têm dinheiro apenas para sobreviver, não para consumir, daí a economia andar a passo de tartaruga.
A concentração de renda é histórica no Brasil e é reforçada pela atual política econômica neoliberal, a mesma desde 2015, só que em dose cavalar. A desigualdade em 2018 foi recorde desde que o IBGE divulga certa pesquisa, iniciada em 2012. Quem ganha 27,7 mil reais por mês pertence ao 1% mais rico, diz o IBGE. Esse clube controla 34 vezes mais renda do que a metade mais pobre.
O Brasil tem a segunda maior concentração de renda no 1% mais, 28% do PIB. O primeiro é o Catar, com 29%. O terceiro, o Chile, com 24%. São dados do relatório anual sobre desigualdades globais produzido por um instituto de pesquisas francês, a Escola de Economia de Paris.
“Assim como no Brasil, a desigualdade de lá (no Chile) continua alta e há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração. O caso reforça a tese de que crescimento e equidade precisam caminhar juntos, sob pena de inviabilizar politicamente qualquer estratégia de desenvolvimento.” Palavras escritas em 27 de outubro, a propósito da insurgência social no Chile, por um economista neoliberal brasileiro, Arminio Fraga, convertido em defensor de taxar mais os ricos.
Um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo subiu à tribuna da Câmara dos Deputados em 29 de outubro para comentar as insurgências no Chile e na América Latina em geral, e adotou um tom que beirava o golpismo de 1964: “Não vamos deixar isso vir para cá. Se vier para cá, vai ter que se haver com a polícia. E, se eles começarem a radicalizar do lado de lá, nós vamos ver a história se repetir”.
O Chile é a pátria inauguradora do neoliberalismo e a inspiração do ministro Paulo Guedes. Em uma entrevista publicada dois dias depois das ameaças da tribuna, Eduardo foi ainda mais explícito: “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5”.
Uma referência ao Ato Institucional número 5, de 1968, com o qual a ditadura militar iniciada quatro anos antes, e que duraria mais 17, pode praticar uma política econômica concentradora de renda, sem que enfrentar resistência social e política. O Congresso foi fechado e garantias individuais constitucionais, suspensas.