O governo Jair Bolsonaro (PSL) prepara uma reforma administrativa que ataca servidores federais e fragiliza a carreira no serviço público. A proposta prevê regras mais duras para a contratação de servidores, salários iniciais cada vez mais achatados e novas barreiras para promoções. Uma das prioridades do presidente é terminar com a estabilidade do funcionário público. Além disso, o número de carreiras será drasticamente reduzido. Não há precedente para tamanho retrocesso.
O texto ultraliberal, preparado pela equipe econômica, tramitará pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa já analisou projetos semelhantes sobre o tema, e a proposta do governo pode ser anexada a uma delas.
Parte da reforma poderá ser feita por decreto. O governo não precisará alterar a Constituição, por exemplo, para acabar com a progressão automática. A regra que permite que funcionários públicos subam de cargo de acordo com o tempo de serviço é regulamentada por decreto e, dessa forma, bastaria um outro decreto para alterar a medida.
Ainda não está claro se a mudança de regras valeria apenas para novos servidores ou se também afetaria quem já está na carreira. Ao comentar outros pontos da reforma administrativa, Bolsonaro sinalizou que a medida valeria apenas para quem ingressar no funcionalismo após a aprovação das novas regras.
Diferentemente da reforma da Previdência – que foi tratada praticamente por uma PEC –, o novo pacote de medidas do governo deve ser englobado por um conjunto de textos. A expectativa é que quatro PECs sejam apresentadas para tratar do novo pacto federativo e da reforma administrativa. Projetos de lei e decretos, no entanto, também farão parte do conjunto de textos.
Cada carreira do funcionalismo tem seu próprio regulamento. Há, no entanto, um decreto de 1980, assinado pelo então presidente João Figueiredo, que trata de regras gerais sobre a progressão funcional. Para carreiras que não têm sua própria legislação, é esse regulamento que vale.
De acordo com o texto, todos os servidores têm direito à progressão automática. Pela regra, a avaliação de desempenho só determina o tempo em que esse avanço se dá. O decreto estabelece que, todos os anos, os gestores dos órgãos avaliem seus funcionários. A metade mais bem avaliada consegue a progressão em um ano. Já a metade com menor avaliação progride em um ano e meio.
Há carreiras que têm regras próprias para progressão e promoção. Na Polícia Federal, o decreto de 2009 que regulamenta a progressão para delegados exige dos profissionais da carreira que façam cursos de aperfeiçoamento e passem por avaliação de desempenho para avançar na escala de cargos. Outros órgãos, como Receita Federal e Banco Central, também têm regimentos próprios. Ao todo, o serviço público federal tem 117 carreiras.
Para nenhuma delas, no entanto, há regras previstas em Constituição. Isso abre espaço para que o governo precise aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para alterar esse ponto das regras do funcionalismo. O governo pode optar, no entanto, por constitucionalizar alguns princípios, para garantir segurança jurídica. Essa estratégia, no entanto, ainda não está clara. A tramitação de uma PEC é mais demorada e exige maior apoio dos parlamentares para passar: pelo menos 308 deputados e 49 senadores precisam votar sim à proposta.
Outro ponto que pode ser alterado por medidas infraconstitucionais são as regras do estágio probatório, que estão previstas em uma lei de 1990, que trata dos princípios gerais do funcionalismo. Na comissão, o relator do projeto, deputado Vinícius de Carvalho (Republicanos-SP), incluiu policiais e bombeiros dos estados nas mesmas regras previdenciárias das Forças Armadas.
O fato de esse ponto específico estar regulado por decreto não livra, no entanto, o governo de ter que apresentar uma PEC ao Congresso. As regras sobre estabilidade de servidores – um dos pontos que o governo pretende alterar para novos funcionários públicos – estão na Constituição. A Carta prevê que o servidor é estável após três anos no cargo, e o governo pretende aumentar esse período para dez anos.
Veja o que pode retroceder com a reforma administrativa do governo Bolsonaro:
Salários menores
O governo pretende rebaixar o salário pago aos servidores, nivelando com padrões da iniciativa privada. Entre as medidas estudadas, estão a redução dos salários de entrada e a reestruturação da progressão para que o servidor só chegue ao teto no final da carreira.
Fim da estabilidade
Outro ataque aos funcionários públicos é o fim da estabilidade de parte das carreiras. Hoje, há dois tipos de servidor: os com estabilidade e os comissionados, que entram no cargo por indicação. O governo Bolsonaro estuda ampliar para cinco tipos. O comissionado seguiria nos mesmos moldes. Já os demais trabalhariam os dois primeiros anos como uma espécie de trainee, sendo efetivados apenas após avaliação de desempenho. Se aprovados, eles poderiam se enquadrar em três categorias diferentes: sem estabilidade (podendo ser demitidos sem justa causa), com estabilidade (para carreiras específicas, sujeitas a pressões, como auditores) e por tempo determinado (em que não é possível seguir carreira e há um limite máximo de tempo no cargo).
Menos carreiras
Atualmente, há mais de 300 carreiras no serviço público, com cerca de 3 mil cargos. O governo quer seguir a cartilha do Banco Mundial e reduzir ao máximo o número de carreiras e cargos. Mas não há nenhuma menção sequer a estudos que subsidiem a mudança e estabeleça critérios razoáveis para um corte tão drástico.
Gestão liberal
O governo fala também em cortar benefícios, como o sistema de licenças e gratificações, além do fim da progressão automática por tempo de serviço. No lugar, propõe um modelo liberal de avaliação de desempenho. O Ministério do Planejamento chegou a elaborar uma proposta de desmonte das carreiras, com o fim da progressão automática por tempo de serviço. Para um servidor ser promovido, seriam considerados critérios típicos do mercado, como avaliação de mérito, desempenho e capacitação, sem levar em conta o interesse público.
Estímulo à demissão
Facilitar as demissões no funcionalismo público também está nos planos de Bolsonaro. A estabilidade – vale dizer – não é absoluta. Hoje, segundo a Lei Nº 8.112, para demitir um servidor é preciso realizar um processo administrativo disciplinar (PAD) que comprove, entre outros casos, crime contra a administração pública, abandono do cargo, improbidade administrativa ou corrupção. O governo quer regulamentar e estimular a demissão do servidor em caso de mau desempenho – critério dos mais subjetivos.
Risco para todos?
O secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, afirma que as mudanças só valeriam para novos servidores. Em tese, quem já está no funcionalismo não seria afetado, por ter direito adquirido. O problema é que o governo não dá detalhes do projeto – Uebel diz que a equipe econômica ainda está elaborando a medida. Depois, o texto passará pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro. Só então, seguirá para o Congresso. Portanto, ainda é possível que as novas regras, no todo ou em parte, sejam aplicadas a antigos servidores.