Por Gilson Reis*
Foi no dia 4 de março de 2015 que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee enviou uma carta aberta aos deputados federais defendendo a urgente aprovação do então Projeto de Lei 4.372/12 do Poder Executivo, que criava o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes). Muitos eram os argumentos da Contee em defesa da matéria. Um deles era a necessidade de fortalecer instrumentos capazes de combater o nocivo processo de financeirização e desnacionalização do ensino superior no Brasil.
Para a Confederação, um dos pontos-chave do PL era o que determinava, por exemplo, entre as funções do Insaes, a prerrogativa de “aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de Instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino”. Outro ponto que apontava a necessidade de fortalecimento da supervisão era o fato de que o procedimento de avaliação de cursos e instituições gerava inúmeros processos, em quantidade incompatível com a estrutura e o número de funcionários da então Secretaria de Regulação do Ministério da Educação. Processos esses acarretados por cursos e instituições que não conseguiram a nota mínima nas avaliações aplicadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) porque não investem em qualidade e porque não respeitam as exigências mínimas colocadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Mais de quatro anos se passaram desde essa carta (sete anos se contarmos do início da tramitação do Insaes) e, claro, o PL nunca foi aprovado. Pelo contrário, foi enterrado juntamente com tantas políticas educacionais soterradas pelo golpe de 2016 e todas as suas consequências, inclusive a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência e a entrega do MEC ao controle de forças ultraliberais e fundamentalistas reunidas num ministro só. Diante de tantos ataques que a educação vem sofrendo — com a inviabilização do próprio Plano Nacional de Educação (PNE), os cortes nas universidades federais, o desmonte de pesquisas científicas, a nomeação de interventores nas universidades e institutos federais, a perseguição a estudantes e docentes etc. — relembrar uma pauta como o Insaes soa quase anacrônico. No dia 2 de outubro, no ato “Educação pública, ciência, tecnologia e soberania do Brasil: Não tirem o dinheiro da educação básica e das universidades públicas”, realizado no Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), a partir de convocação do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), ressaltamos que estamos diante da maior ofensiva das elites contra o direito à educação no país. Nos últimos 90 anos sempre estivemos em ascensão nas políticas públicas para a educação, mas nesse momento a política é de destruição. E não apenas do ensino superior. Os cortes orçamentários praticados pelo governo Bolsonaro, neste ano e para o próximo, atingem todos os setores, da educação infantil à de Jovens e Adultos (EJA). E é contra tudo isso que devemos lutar, defendendo a democracia, a soberania e o ensino público, gratuito, laico e formador de cidadãos, bem como o incentivo à pesquisa, ciência, tecnologia e cultura.
Trazer o Insaes à lembrança não significa, contudo, tentar ressuscitar o projeto num momento em que a correlação de forças o impede e em que há tantas batalhas urgentes, incluindo o crescimento e fortalecimento do próprio FNPE como espaço coletivo de resistência. Na verdade, recordar aquilo que o PL 4.372/12 propunha e que o lobby do setor privatista impediu que fosse levado adiante é importante para mostrar que os problemas que ele visava combater não só continuam presentes, como se aprofundaram ainda mais.
No último dia 4 de outubro, a imprensa noticiou que só 3% dos cursos superiores de instituições privadas têm nota máxima em avaliação, ao passo que as universidades federais têm 29%. Além disso, 48% dos cursos avaliados nos estabelecimentos particulares com e sem fins lucrativos ficaram com conceito 3, que é o mínimo exigido. Apesar disso, o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, continua não só a questionar a qualidade das federais, mas também a promover seu sucateamento e seu desmonte, defendendo abertamente que a expansão do ensino superior se dê via iniciativa privada.
Enquanto isso, a Kroton — maior empresa de educação do mundo, com valor de mercado de R$ 18,2 bilhões — anunciou na última segunda-feira, 7 de outubro, sua mudança de nome, de foco, de organização e de governança, transformando-se na holding Cogna Educação. A estratégia é, depois de uma queda nos processos de aquisição de outras companhias, dividir a empresa em quatro e avançar na prestação de serviços para escolas e faculdades. Em outras palavras, a intenção da mudança não é assegurar qualidade de ensino, mas obter mais e mais lucros, sem qualquer mecanismo de supervisão; pelo contrário, até com o aval do MEC.
É notório, portanto, que o processo de financeirização do ensino superior que a Contee denuncia há décadas não só continua sendo uma realidade como também é um dos principais responsáveis pelos ataques à educação pública. A guerra do atual ministro contras as universidades federais é ideológica, sim, mas é também econômica. Para grupos que ainda sustentam um governo cada vez mais explicitamente desabonado e vexaminoso, até mesmo internacionalmente, educação é um negócio extremamente lucrativo e a continuidade do apoio vai depender do quanto podem ainda encher seus bolsos com ela. Contra isso, a nós cabe lutar, em todos os espaços possíveis, para lembrar que educação não é mercadoria.
*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee e Diretor da CTB.