Pela primeira vez, turma da corte diz que magistrado deve aceitar ou recusar íntegra do negociado. Decisão, inspirada no princípio de que o negociado deve prevalecer sobre o legislado, prejudica trabalhador e favorece o patronato e as fraudes contra direitos trabalhistas
O TST (Tribunal Superior do Trabalho) decidiu pela primeira vez contra a chamada homologação parcial de um acordo extrajudicial. A modalidade permite ao trabalhador aceitar apenas parte do acordo com o empregador.
O instrumento foi criado pela reforma trabalhista de 2017 para evitar o acúmulo de processos. O acordo extrajudicial é feito entre empregador e empregado para pôr fim ao contrato de trabalho sem deixar pendência financeira.
Satisfeitas as partes, o acerto impede que o trabalhador entre com outra ação, apresentando novos questionamentos. Um juiz, no entanto, precisa homologar o acordo.
Segundo a 4ª Turma do TST, ao avaliar um recurso sobre o tema nesta quarta-feira (11), um magistrado não pode fazer a homologação parcial —ratificar apenas parte do acordo, caso não considere válidos alguns itens, mesmo quando empregador e empregado tenham se entendido.
Pela decisão, o magistrado deve validar ou recursar integralmente o acordo.
O que muda com a reforma trabalhista?
Uma homologação parcial permitiria ao trabalhador, por exemplo, mesmo com o acordo extrajudicial avalizado pela Justiça do Trabalho, entrar posteriormente com uma ação trabalhista.
Acórdão relatado pelo ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, um neoliberal de carteirinha, muda entendimento de primeira instância e do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo).
O caso concreto envolve uma trabalhadora e uma empresa do setor farmacêutico.
A corte regional afirma que esse acerto “não se reveste de validade”. De acordo com o TRT-2, foi apontada apenas uma quantia global de indenização. Teria faltado, portanto, segundo o tribunal paulista, a especificação de cada verba.
O TRT-2 diz que o Código de Processo Civil estabelece que o “juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente e oportuna”.
O tribunal negou a quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho e manteve a decisão de primeira instância pela homologação parcial.
Para Gandra, esse entendimento vai contra a reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB).
“Estando presentes os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos preconizados pela lei trabalhista, não há de se questionar a vontade das partes envolvidas e o mérito do acordado”, escreve.
Gandra foi seguido por unanimidade na 4ª Turma. Os ministros Guilherme Caputo Bastos e Alexandre Luiz Ramos apoiaram o entendimento do relator do caso no TST. Ainda cabe recurso.
Segundo o acórdão, da leitura dos artigos alterados pela reforma trabalhista, “extrai-se a vocação prioritária dos acordos extrajudiciais para regular a rescisão contratual e, portanto, o fim da relação contratual de trabalho”.
Gandra critica, na decisão, uma homologação parcial porque beneficia o assalariado em detrimento do empregador.
“A atuação do Judiciário na tarefa de jurisdição voluntária é binária: homologar, ou não, o acordo. Não lhe é dado substituir-se às partes [empregado ou empresa] e homologar parcialmente o acordo”, afirma.
De acordo com o ministro, “sem a quitação geral [total], o empregador não proporia o acordo nem se disporia a manter todas as vantagens nele contidas”.
A decisão defende o princípio da boa-fé na celebração de acordos. Destaca ainda a valorização dos princípios da simplicidade, celeridade e redução da litigiosidade.
Após a reforma trabalhista de Temer, o número de acordos extrajudiciais teve alta expressiva, segundo dados da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, ligada ao TST. Em contrapartida, caiu a quantidade de novas ações.
Nos 12 meses encerrados em julho deste ano, foram homologados 49.569 acordos extrajudiciais. Nos 12 meses anteriores à reforma, foram 2.356. O crescimento é de 2.003%.
Os novos processos em primeira instância nos mesmos períodos correspondentes registraram queda de 33,7%, de acordo com os dados do TST. Nos intervalos, passaram de 2,7 milhões para 1,8 milhão. A queda se explica pelo fim da gratuidade das demandas trabalhistas, o que significa que o trabalhador deve arcar com as custas processuais caso perca a ação.
Apesar de rejeitar a homologação parcial, Gandra escreve que o juiz não é “mero chancelador de requerimentos a ele apresentados”.
Justiça do Trabalho em números
49.569 acordos extrajudiciais foram homologados na Justiça do Trabalho nos 12 meses encerrados em julho deste ano
2.356 acordos extrajudiciais foram homologados nos 12 meses anteriores à reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017
2.003% é o crescimento do número de acordos extrajudiciais homologados na Justiça
Com informações da Folha de São Paulo