O segundo dia de discussões sobre a reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi de críticas a diversos pontos do texto (PEC 6/2019). Os governistas não foram aos debates e não houve quem, parlamentar ou representante do governo, defendesse o projeto de Bolsonaro. As audiências ocorreram na manhã e tarde desta quarta-feira, 21.
Sindicalistas na luta
Mário Teixeira, secretário de Assuntos Jurídicos da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), enfatizou os problemas da saúde e da segurança do trabalhador no país, “que sempre foram considerados nas legislações previdenciárias, inclusive com três idades diferentes para a aposentadoria especial, levando em conta o nível de periculosidade das várias atividades. O atual projeto diz que existe a aposentadoria especial, mas praticamente acabou com ela. Está sendo feita uma maldade indescritível com esses trabalhadores”.
Representante da Central da Classe Trabalhadora (Intersindical), Édson Carneiro da Silva denunciou que a proposta de Bolsonaro “não é uma reforma, mas uma sentença de condenação para que milhões de pessoas passem a viver em miséria”. O secretário geral da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), Moacyr Roberto Tesch Auersvald, pediu uma melhor gestão da Previdência. A diretora da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas), Sônia Meire Santos de Jesus, considerou a reforma uma “quebra de um pacto entre gerações e a destruição da política da seguridade social”.
O presidente da Associação dos Funcionários do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Celso Pereira Cardoso Junior, disse que o número de servidores é praticamente o mesmo desde a promulgação da Constituição, em 1988, e que existem carências específicas de funcionários em algumas áreas. “Essa reforma pode, na verdade, entregar estagnação e colapso social”, alertou.
Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Fernando da Silva Filho, a reforma retira direitos previdenciários. Ele destacou que mudanças recentes na legislação trabalhista, como o trabalho intermitente e a terceirização irrestrita, comprometem o financiamento dos recursos da Previdência. A reforma é uma maneira de o governo “largar o trabalhador no completo desamparo. Temos alterações que modificam formas de acesso, benefícios e cálculo. Alguns trabalhadores ficam em exposição ao risco”.
A secretária-geral da Central do Servidor (Pública), Silvia Helena de Alencar Felismino, considerou que a reforma é cruel com os pensionistas e que joga milhões de brasileiros na miséria.
O assessor jurídico e legislativo da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Paulo Penteado, questionou o deficit da Previdência, afirmando que o Brasil renunciou a R$ 925 bilhões destinados à seguridade social entre 2007 e 2016. “É uma renúncia expressiva. E se nós atualizarmos de acordo com a taxa Selic, teremos um R$ 1,5 trilhão; na taxa do BNDES, R$ 2,234 trilhões, e no IGP-M, R$ 2,265 trilhões. Dinheiro que deixou de entrar para o caixa da seguridade social brasileira por força de isenções concedidas por lei”. Outro ponto criticado foi a nova regra para pensões por morte. Atualmente um servidor público com salário de R$ 12 mil deixa R$ 10.150,34 de pensão, no caso de ter apenas um dependente e após 20 anos de contribuição. Com a PEC 6/2019, esse benefício passará a ser de R$ 3.024,00.
O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Décio Bruno Lopes, alertou que a PEC é um retrocesso. O texto transfere os segurados da Previdência Social para a assistência social, gerando uma situação de miserabilidade, “onde cada um é por si e Deus por todos”. Além disso, a reforma desvaloriza a Previdência, sem a garantia da integração de novos segurados. “Se o próprio governo diz que é uma coisa falida, que a Previdência está falida, se eu entrar em um sistema já falido, o que vou receber no futuro?”, indagou.
Ex-ministro também condena
Segundo o ex–ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, os aposentados serão os mais prejudicados com a PEC 6/2019. As pessoas que têm hoje média salarial de R$ 2.240,90 recebem 90% dessa média ao se aposentar, passando a ter direito a R$ 2.016,81 mensais. Com a aprovação da reforma, a média salarial dos trabalhadores cai para R$ 1.899,41 e a aposentadoria para R$ 1.139,65. Uma perda de R$ 877,16. “O projeto que a Câmara aprovou, por maioria, vai fazer com que o cidadão brasileiro, nas mesmas condições, de 65 anos e com 20 anos de trabalho comprovado em carteira, não receba mais R$ 2.016 por mês”, ponderou.
A especialista em Assistência Social e Pobreza, Luciana de Barros Jaccoud, disse que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) tem grande impacto na redução da pobreza e da desigualdade social. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já indicaram o BPC como um dos itens mais relevantes na evolução do índice de Gini, usado para medir a concentração de renda e a desigualdade social. Para ela, a constitucionalização da renda familiar de um quarto de salário mínimo como critério de concessão para o BPC pode prejudicar, principalmente, os deficientes. A reforma tem “uma redação que claramente sinaliza uma exclusão dos beneficiários. Não só dos futuros, mas mesmo dos beneficiários do presente”, alertou.
A coordenadora nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Rosangela Piovizani Cordeiro, disse que a luta deveria ser por mais inclusão na Previdência. “Ter uma aposentadoria, uma pensão ou um benefício, é uma conquista que faz muita diferença. É como muita gente pode se alimentar melhor, comprar remédio e aliviar os hospitais públicos”, declarou.
A diretora adjunta da Diretoria da Previdência do Servidor Público do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Thais Maria Riedel de Resende Zuba, apontou que a proposta tem o erro técnico de considerar os mesmos cálculos para os benefícios programados e para os não programados, como o afastamento por doença ou aposentadoria por invalidez. Esse cálculo prejudica quem adoece ou cai na invalidez, comprometendo “a dignidade humana”. Citou algumas carreiras que trabalham em situação insalubre, que podem aposentar com 25 anos de trabalho mas cujo benefício só será pago na totalidade se houver 40 anos de contribuição. “É claramente uma injustiça com o trabalhador”, disse, informando que uma aposentadoria por invalidez, com as novas regras, pode ser reduzida em cerca de 45% do valor do benefício.
O presidente da Sociedade Brasileira de Previdência Social (SBPS), José Pinto de Mota Filho, afirmou que a reforma pode aumentar ainda mais a concentração de renda no país, uma das mais altas do mundo. Explicou que, com poucos empregos formais, há menos arrecadação para a Previdência. “Essa questão do financiamento não é abordada na PEC. O foco da reforma é cortar despesa, o que significa cortar acessos e benefícios dos trabalhadores”, criticou.
Também o consultor legislativo do Senado, Luiz Alberto dos Santos, apontou que a proposta contém previsões “inconsistentes e até mesmo inconstitucionais”. Cobrou a reforma dos militares, que seria um dos principais problemas previdenciários do país, e apontou que a PEC pode trazer insegurança jurídica, ao retirar regras previdenciárias da Constituição. Para ele, as novas regras prejudicam os mais pobres, que receberão menos em caso de pensão por morte, invalidez e outras situações. A reforma também prejudicaria os servidores públicos, que em alguns casos, por conta das regras que somam tempo de contribuição e idade, terão de trabalhar até os 70 anos ou ter 43 anos de contribuição. “Estamos em uma corrida de obstáculos com obstáculos móveis. A reforma certamente vai gerar uma judicialização em muitas questões”, avaliou.
O secretário adjunto de Organização e Política Sindical da CUT, Eduardo Guterra, questionou as reais motivações do governo com a reforma. O Dieese apurou que há 33 milhões de pessoas trabalhando sem carteira assinada no Brasil e, portanto, não recolhendo contribuições ao INSS. “Isso choca com a reforma da Previdência, porque quer dizer que essas pessoas também não contam tempo para se aposentar. A PEC, ao arrochar os benefícios previdenciários em torno do salário mínimo, retira renda dos trabalhadores, inibe o consumo, agrava o desemprego, faz a economia não girar e não ter aquecimento”, argumentou. O diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Diego Cherulli, manifestou-se contrário à elaboração de uma PEC paralela, que seria apresentada para os senadores não alterarem o texto aprovado pelos deputados. “Vamos focar no objetivo, alinhar uma interlocução com a Câmara e resolver esse problema econômico. Se houver diálogo, é possível que os deputados o aprovem, e esse texto retorne para ser aprovado aqui ainda este ano”.
Relator da reforma, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) admitiu que tem o difícil papel de ajustar a questão fiscal com as demandas apresentadas. “Se tivermos que corrigir, a base da correção será de baixo para cima, dos mais vulneráveis para os de cima da pirâmide”, prometeu.
Carlos Pompe