Por Mônica Custódio, secretária de Promoção da Igualdade Racial da CTB
Sobre ser mulher negra no Brasil, maior população na Diáspora: é aviltante, as consequenciais do pós-abolição batem muito forte em nós, seja pela relação política (sem representatividade nos poderes legislativo, executivo e judiciário), econômica (sem a chance de igualdade de oportunidade e de condição, e na base das piores condição de vida e trabalho) e/ou social (das possibilidades dos direitos humanos, individuais e coletivos).
Vivemos em uma conjuntura inteiramente desproporcional, desrespeitosa e indigna., diante de um governo federal que aposta no caos como solução dos problemas estruturais, ocasionados por decisões das quais não participamos. É uma afronta à população, às federações, às instituições, aos movimentos sociais organizados, e a tudo que uma sociedade sã pode almejar.
A política de genocídio corresponde a uma estratégia de necropolitica, que tem se apresentado nas estatísticas sobre o desemprego, a redução de investimentos na educação, saúde, moradia, e com a explosão da violência nos grandes centros urbanos.
Essa tática mata três humanos em uma cajadada só: filhos, companheiros e nós. Tiram vidas, sonhos e nossa humanidade.
Por este fato, podemos citar o Atlas da Violência de 2019: O ano de 2017, foi um marco no que se refere ao genocídio da população negra. Esses dados nos fornecem um cenário em que os homicídios tiveram uma taxa de 31,6 por 100 mil habitantes, e entre a juventude tem a marca de 35.783 anual, com a taxa de 69,9 por 100 mil habitantes. Um crescimento de 37,5% em relação a 2007, sem a menor dúvida são dados de guerra. Os piores cenários dessa violência se apresentam substancialmente na região nordeste.
Nestes últimos 130 anos houve mudanças substanciais na formação sociocultural, econômica e histórica de nosso país. Da Abolição à Constituinte de 1988, essas mudanças se evidenciaram em várias formas de luta, resistência, e afirmação da identidade negra.
Os 14 anos de governo democrático e popular nos inseriram nas condições de cidadania, significando direito ao trabalho, saúde, moradia e educação, o respeito aos direitos individuais e coletivos; tivemos soberania e desenvolvimento da nação. Conhecemos a autossuficiência da Petrobrás e a alavanca econômica que ela significou para a economia do país e para as categorias econômicas, gerando milhares e milhares de empregos.
Hoje o que temos, para além de um governo de ultradireita e fascista, é um projeto político que traz a morte como resposta às mazelas criadas para o povo, que em sua maioria é negra. Um governo que traz com nitidez os contornos da necropolítica como fator de regenerescência dessa população, atendendo aos anseios da classe dominante e do sistema internacional ao qual está submetido. É o retorno do estado mínimo e do neoliberalismo, das privatizações, e da entrega de nossas estatais estratégicas como já vem acontecendo.
O termo NECROPLÍTICA é o debate da ordem do dia. É O CONCEITO, mais que isso, é o que tem desnudado as relações da macropolítica com as lutas antirracismo, feministas, contra a LGBTfobia, xenofobia, e tantas outras frentes e batalhas. É o cotidiano das lutas pela vida a qual submetemos nossas agendas nos últimos décadas.
Com a pauta “Vidas Negras Importam”, celebramos mais um 25 de julho, Dia Interamericano da Mulher Negra Afro Caribenha, em um momento onde o país atravessa uma de suas maiores crises sociais, econômicas, sistêmicas e política.
O conceito de necropolítica se desenvolve a partir de um “diálogo” político, filosófico e epistemológico de Achille Mbembe e Foucault, contradizendo um outro conceito, este criado por Foucault que é o Biopoder. A relação de biopoder que se apresenta com mais dois outros conceitos – estado de exceção e estado de sítio, sendo entendido da seguinte forma: Pela anátomo-política do corpo e pela biopolítica da população.
Se tratando pela anátomo-política a referência são os dispositivos disciplinares encarregados do extrair do corpo humano sua força produtiva, mediante o controle do tempo e do espaço, no interior de instituições, como a escola, o hospital, a fábrica e a prisão. Para com a biopolítica da população, volta-se à regulação das massas, utilizando-se de saberes e práticas que permitam gerir taxas de natalidade, fluxos de migração, epidemias, e aumento da longevidade.
Assim, as análises de Foucault sobre a política da vida extrapolação a lógica econômica para relações sociais. Mbembe mostra de forma bastante nítida como “o estado de exceção e a relação de inimizade tornaram-se a base normativa do direito de matar”, e como o poder “apela à exceção, à emergência e a uma noção ficcional do inimigo” para justificar o extermínio de outrem.
Esta relação contextualiza com o nosso cotidiano que demonstra uma percepção multidimensional da pobreza, que se exemplifica na acessibilidade e na invisibilidade da população negra, que sente a influência do racismo estrutural e institucional contida na estratificação social das condições materiais para a nossa população. Esse cenário aponta que ainda que esse estado não tenha pena de morte, ainda assim é o que mais mata, e justifica a biopolítica, em um estado de exceção. Um país em aparente estado de paz na política global, se encontra com índice de mortalidade de guerra, pois de forma velada se encontra em uma verdadeira guerra civil.
Um país estruturalmente escravagista. Sua economia, cultura e sociedade toda consolidada no sistema, a manutenção das riquezas dessas famílias que insiste em manter e aprofundar as desigualdades sociais se institui em negação desta população, e de tudo que ela representa. “A abolição lenta (Lei da Terra 1850), gradual (Lei dos sexagenários 1885) e segura (Lei do ventre livre 1871), tem essa representação, esse signo, da “liberdade” que ainda não raiou.”
Não podemos passar mais 130 anos querendo, precisando provar nossa humanidade, e dizendo que Vidas Negras Importam!
No próximo dia 28/07 no Rio, estaremos em Marcha pela vida, pela descriminalização da pobreza, em defesa da Liberdade Religiosa.