A aprovação em primeiro turno da proposta de reforma da Previdência do governo Bolsonaro, consumada pela Câmara dos Deputados no dia 10 de julho, foi mais um duro golpe contra a classe trabalhadora brasileira e dá curso a uma agenda de retrocesso que data do golpe de 2016 e agrava notoriamente a crise econômica, política e social que dilacera a sociedade brasileira.
O governo e as classes dominantes recorreram a uma propaganda mentirosa e terrorista, alardeando a falência da Previdência e insinuando que a PEC 06 tem o objetivo de combater as desigualdades e os privilégios. A verdade é o inverso do que apregoam. A emenda constitucional descarrega sobre as costas dos mais pobres o custo das mudanças, que devem subtrair do sistema previdenciário público em torno de R$ 1 trilhão no prazo de 10 anos.
Mais de 90% da economia pretendida virá do bolso de trabalhadores e trabalhadoras compreendidos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), onde o valor médio das aposentadorias não chega a R$ 1,4 mil, e dos pobres dependentes da assistência social.
É um exercício de hipocrisia falar em privilégios, que no Brasil são uma exclusividade dos segmentos mais altos da burguesia, de banqueiros, rentistas, grandes fazendeiros. Estes senhores que integram as classes dominantes continuam isentos do imposto sobre lucros e dividendos, que segundo estimativas de especialistas poderia render pelo menos R$ 50 bilhões por ano aos cofres públicos.
Com a idade mínima (fixada em 65 anos para homens e 62 para mulheres), o aumento do tempo mínimo de contribuição e as novas regras para o cálculo do benefício a malfadada reforma vai exigir o aumento do tempo de trabalho para ter direito à aposentadoria e reduzir o valor dos benefícios para o conjunto da classe trabalhadora. E será mais cruel com os mais pobres.
Conforme denunciou o célebre economista Thomas Piketty (autor de “O capital no século 21”) a reforma aprovada na Câmara vai aumentar as desigualdades sociais. Ele escreveu artigo sobre o tema em parceria com Marc Morgan e Amory Gethin, pesquisadores do World Inequality Lab da PSE, e Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do IE-Unicamp e pesquisador do Cecon-Unicamp, onde observam:
“Os cidadãos que só conseguem se aposentar hoje por idade são trabalhadores precários que estão longe de alcançar o tempo de contribuição exigido nas novas regras: 56,6% dos homens e 74,82% das mulheres não alcançam. Em média os homens só conseguem contribuir 5,1 vezes por ano, e as mulheres 4,7 vezes, segundo estudo de Denise Gentil (UFRJ) e Claudio Puty (UFPA) para a Anfip.”
É falsa também a promessa de que a reforma trará de volta os investimentos e o crescimento da economia, reduzindo a taxa de desemprego, mesmo discurso enganador que foi usado para dourar a pílula amarga da reforma trabalhista e da terceirização, que foram acompanhadas de mais desemprego e precarização das relações entre capital e trabalho. Do mesmo modo, a redução do valor das aposentadorias vai provocar uma redução do consumo das massas, deprimindo ainda mais o mercado interno e alimentando a recessão.
O governo da extrema direita, lacaio dos EUA e da grande burguesia brasileira, não economizou recursos para impor o retrocesso, contando com a cumplicidade do presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia. Contradizendo o discurso moralista da “nova política”, Bolsonaro liberou R$ 4,3 bilhões em emendas parlamentares desde fevereiro, comprando lealdades e votos de deputados hesitantes no mais cínico estilo do toma lá dá cá. Somente nos primeiros cinco dias de julho foram R$ 2,55 bilhões.
A propaganda massiva nos meios de comunicação monopolizados por meia dúzia de ricas famílias anestesiou a consciência de parte significativa do povo brasileiro, conforme notou o deputado carioca Alessandro Molon. É provável que muitos trabalhadores e trabalhadoras só percebam a dimensão do retrocesso imposto pela reforma, que abre o caminho à privatização do sistema, quando forem atrás do direito no INSS.
As centrais sindicais, os movimentos sociais, partidos e parlamentares de oposição comprometidos com os interesses populares e a classe trabalhadora brasileira sofreram um duro golpe com a aprovação da PEC 06 em primeiro turno na Câmara Federal. Mas o retrocesso ainda não foi consumado. A proposta ainda vai ao plenário da Casa para votação em segundo turno, provavelmente no início de agosto, e depois terá de ser debatida e votada em dois turnos no Senado.
É preciso destacar que a resistência e a luta das centrais sindicais e os movimentos sociais, que não têm sido em vão. Resultaram desta luta, que compreendeu manifestações massivas e a greve geral de 14 de junho, a retirada da PEC do modelo de capitalização pretendido pelo ministro Paulo Guedes, que significaria o fim das aposentadorias públicas, bem como do aumento da idade requerida para aposentadoria rural das mulheres e redução do valor do BPC, entre outras conquistas.
A Direção Nacional da CTB orienta os sindicatos e a militância a intensificar o trabalho de conscientização e mobilização das bases, abordando pessoalmente os trabalhadores e trabalhadoras para revelar as perdas decorrentes da reforma, combatendo e desmascarando os falsos argumentos do governo e da mídia, convocando assembleias e promovendo amplos debates sobre o tema, combinado à coleta de assinaturas para o abaixo assinado contra a reforma de Bolsonaro, à pressão dos parlamentares nos estados e municípios onde atuam e à participação nas manifestações convocadas pelas centrais e movimentos sociais. É nas batalhas políticas que o povo conquista vitórias e previne o retrocesso.
A luta continua!
Adilson Araújo, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)