por Rodrigo Vianna, no Escrevinhador
O escândalo da #VazaJato não foi o único movimento importante a mostrar o rearranjo das forças que apoiam o governo de Jair Bolsonaro.
Na mesma semana, o presidente fritou Santos Cruz (representante da ala militar não extremista, o general foi demitido da Secretaria Geral de Governo por se recusar a abrir os cofres estatais pra financiar o olavismo) e humilhou Joaquim Levy (liberal e privatista, o economista foi afastado do BNDES por não instalar uma caça às bruxas no banco, como pedem os bolsonaristas radicais, incluindo Paulo Guedes).
Os dois últimos episódios indicam que Bolsonaro caminha para se “encastelar” num governo minoritário (com apoio de 25% ou 30% do eleitorado), que prioriza o discurso do “contra tudo e contra todos” e do combate ao “sistema” e aos “políticos”.
Um governo que não vê problemas em criar arestas com militares e empresários, acreditando que a postura beligerante o credencia como único representante orgânico da direita.
Fica evidente que o fim desse processo é crise institucional grave. Todos sinais apontam nesse sentido.
Importante também é notar que Sergio Moro, que tinha agenda própria e imagem até mais ampla do que a de Bolsonaro (o ex-juiz dialogava com o centro liberal e até com setores da esquerda udenista), passa agora a ser sócio da mesma lógica anti-sistema.
Moro se desmoralizou de forma definitiva entre formuladores e operadores do Direito.
Perdeu apoio também na mídia (com exceção da Globo, temerosa pelo que os vazamentos possam revelar sobre os intestinos da empresa).
E, para sobreviver, dependerá cada vez mais de um subtexto extremista e cínico que se espalha nas redes: “ah, dane-se a Constituição; o objetivo era destruir PT e Lula, então o juiz não podia seguir as regras normais”.
Moro passa a depender também da rede subterrânea de apoios de Bolsonaro, que produz um discurso infantilizado e violento no Twitter e no Whatapp.
É isso que permite ao ex-juiz trocar de justificativa diante das evidências claras de que manipulou a Lava-Jato: primeiro, disse que não havia “nada demais ali” nos vazamentos (reconhecendo autenticidade do material); depois, encampou a tese da Globo dos “hackers” a adulterar mensagens; agora, simplesmente afirma que não reconhece as mensagens vazadas.
A oscilação discursiva faz com que Moro mude de posição no debate: de juiz “correto” e sóbrio, passa a um político sócio do discurso da extrema-direita no Brasil.
Isso, talvez, lhe dê força para sobreviver ao escândalo, fabricando uma realidade paralela sob a lógica de que “ninguém prova que escrevi nada para os procuradores”.
E mesmo que fique essa dúvida, Moro se refugia na ideia de que estava cumprindo o que o antipetismo queria, ou seja, abrindo caminho para a derrota de Lula. Bolsonaro mesmo já disse isso, que Moro foi decisivo pra barrar o PT.
O ex-juiz, portanto, deixa de ser o “superministro” que legitima Bolsonaro. E vira um político legitimado pelo bolsonarismo.
O mesmo ocorre com Paulo Guedes. No dia em que o relator Samuel Moreira (PSDB) leu seu texto para a Previdência (mudando vários pontos da proposta original do governo, mas articulando os votos necessários pra fazer a reforma andar), o ministro da Economia partiu pra cima do Congresso.
Muita gente viu na ação de Guedes um movimento desastrado. Parece-me que não se trata disso.
O ataque ao Congresso e, ao mesmo tempo, a fritura de Levy jogam na linha do governo “encastelado”. A Capitalização pretendida por Guedes na Previdência (e enterrada no relatório de Moreira) é mudança tão radical e perigosa que só seria possível sob a égide de rompimento ou de “refundação” institucional. E isso hoje no Brasil só se faz à força.
Moro e Guedes passam a atuar nessa trincheira. O general Heleno, com seus murros na mesa, indica o mesmo caminho.
O quadro é grave e perigoso. E se aprofunda quando o presidente vai a um evento militar no sul do país e defende “o povo armado” (milícias?)…
A essa altura, já está claro que Bolsonaro não será capaz de entregar o que a maior parte do eleitorado esperava dele: um país mais seguro, com empregos de volta e serviços de mais qualidade na saúde e educação. Diante disso, só resta ao capitão fabricar inimigos, culpar o “sistema” e apostar no confronto.
Conta, pra isso, com o porão das Forças Armadas e das polícias, com os setores extremistas das igrejas evangélicas e com um lúmpen empobrecido nas grandes cidades que segue a acreditar no discurso fácil do bolsonarismo.
A economia não vai melhorar. No curto prazo, Bolsonaro tende a perder mais apoio… mas parece apostar nesse núcleo radicalizado que permitirá, logo mais à frente, partir para um tudo ou nada: ou Bolsonaro cai, ou fecha o regime e aprofunda o autoritarismo.
É isso o que indicam os movimentos aparentemente desconexos da semana que passou.
Do “lado de cá”, ou seja, entre os setores democráticos, há dois movimentos em paralelo:
– a centro-direita, liderada por Rodrigo Maia, rompeu qualquer ilusão de “pacto” e tenta avançar a agenda da Previdência (o que tira parte do discurso de Bolsonaro, de que o “sistema” não lhe deixa governar);
– a centro-esquerda segue a ampliar apoios nas ruas, incorporando setores moderados que parecem já enxergar o risco de Bolsonaro para a Democracia, para o bolso dos aposentados e para o futuro dos estudantes.
Esse duplo movimento indica que Bolsonaro chegará ao momento do “tudo ou nada” mais isolado do que a centro-esquerda.
Se minha aposta estiver correta, em seis meses ou um ano, viveremos uma grave crise institucional. E, para derrotar o campo extremista, será necessário construir uma ampla frente democrática.
O “Lula Livre” (ilude-se quem pensa diferente) só poderá se completar quando esse momento chegar, ampliando essa frente até setores da direita (no STF, no Congresso e na mídia) que em 2016 jogaram no golpe…
Há seis meses, eu diria que a extrema-direita teria mais chances de se impor num confronto assim.
Hoje, parece-me que a balança já pende – ainda que de forma leve – para o lado das forças democráticas. Será preciso luta, sabedoria e amplitude pra evitar o pior.
Com informações de www.viomundo.com.br