Steve Bannon é de direita. Donald Trump é de direita. O governo dos Estados Unidos continua sendo imperialista, violento e destruidor. Trump promove políticas reacionárias, racistas, xenófobas e etc. A extrema-direita norte-americana, como o que resta da Ku Klux Klan, foi protagonista da eleição do atual presidente. Internacionalmente, Bannon lidera uma fundação chamada “O Movimento” que articula políticos de direita na Europa, e apoia governos de extrema-direita como o do fascista Viktor Orban da Hungria. Dito tudo isso, para evitar ruídos e acusações histéricas, o objetivo deste texto não é discutir a ideologia conservadora, ou a posição à direita no espectro político no qual se encontra Steve Bannon e seu movimento, e muito menos advogar em prol de seu reacionarismo. A questão proposta é sobre o problema das estratégias de formulação, comunicação e organização, de um movimento político que seja capaz de efetivamente disputar o poder e transformar (inclusive para pior) estruturas profundas da economia política nacional e mundial.
O personagem dessa reflexão é Steve Bannon, e não Donald Trump, porque ele é que formula algo muito mais amplo e duradouro que a eleição e administração de Trump. Bannon foi militar nos anos 70 e 80, tendo servido no Pacífico e também no Golfo Pérsico, e chegou a trabalhar no Pentágono, enquanto estudava para obter um mestrado em Estudos de Segurança Nacional na Universidade de Georgetown. De cara, fica evidente que é um sujeito altamente treinado e ligado às questões mais sensíveis de seu Estado nacional. Depois disso, Bannon trabalhou no poderoso banco Goldman Sachs e saiu para criar seu próprio banco de investimento focado na indústria do entretenimento. Nos anos 90 ingressa na indústria cinematográfica como produtor executivo em Hollywood. Assim, fica óbvio que Bannon conhece também, por intensa experiência, os meandros do poder econômico e midiático dos EUA.
A partir daí sua trajetória política fica clara e cristalina. Nos anos 2000, Bannon produziu e dirigiu diversos documentários políticos com viés conservador do movimento Tea Party1 republicano, iniciando com uma homenagem a Ronald Reagan chamado “In The Face of Evil” (2004), seguido por filmes como: “Fire from the Heartland: The Awakening of the Conservative Woman” (2010), “The Undefeated” (2011), e “Occupy Unmasked” (2012). O primeiro é uma série de entrevistas com mulheres de diversas classes sociais sobre política. O segundo trata da ex-governadora do Alaska, Sarah Palin, que concorreu como vice-presidente na chapa de John McCain do Partido Republicano em 2008. O terceiro é uma abordagem crítica ao movimento Occupy Wall Street.
Depois da experiência como militar, banqueiro, e cineasta, Steve Bannon torna-se um protagonista da arena da luta política do século XXI, a internet, no famigerado site Breitbart News. Acusado, entre outras coisas, de sexista e xenófobo, mas principalmente de disseminar fake news, o site foi fundado em 2007 por Andrew Breitbart, que chegou a dizer que Bannon era a Leni Riefenstahl2 do Tea Party. Com a morte do fundador em 2012, Steve Bannon assumiu o Breitbart News e declarou abertamente que o site era o canal da Alt-Right3. É como chefe do Breitbart News que Bannon torna-se figura mundialmente conhecida, catapultando-se para o comando da virada eleitoral na reta final da campanha de Donald Trump contra Hillary Clinton, e então à Casa Branca.
Bob Woodward4 em seu livro-reportagem sobre os dois primeiros anos da Administração Trump, chamado “Medo: Trump na Casa Branca”, conta que Bannon entra na campanha num momento de péssimos resultados nas pesquisas eleitorais, chegando ao ponto do Diretório Nacional Republicano cogitar retirar Trump da corrida, e colocar o vice Mike Pence como candidato, para evitar a pior e mais humilhante derrota de todos os tempos para os republicanos. O novo estrategista da campanha radicaliza e simplifica o discurso. Vale a pena reproduzir trecho do livro de Woodward no qual Bannon expõe a nova estratégia ao candidato:
“As elites do país se sentem confortáveis em administrar o declínio. E os trabalhadores deste país não estão satisfeitos. Eles querem tornar a América grande novamente. Vamos simplificar a campanha. Hillary é a porta-voz de um status quo corrupto e incompetente de elites que se sentem à vontade em administrar o declínio. Você é o porta-voz do homem esquecido que quer tornar o país grande de novo. E vamos fazer isso com alguns poucos temas. Número um, vamos impedir a imigração ilegal e começar a limitar a imigração legal para recuperar nossa soberania. Número 2, você vai trazer os empregos de volta ao país. E número três, vamos sair das guerras injustas no exterior. Esses são os três temas em que Hillary não pode se defender. Ela é parte daquilo que abriu as fronteiras, é parte daquilo que fez acordos de comércio ruins e deixou os empregos irem para a China. Ela apoiou todas as guerras. Vamos martelar nisso. É só. Insista nisso.”5
A radicalização trumpista foi vitoriosa. A internet foi decisiva. Trump utilizou as redes sociais de forma excessiva. O tema das fake news tornou-se pauta central da grande mídia contra o presidente eleito que preferia usar o Twitter para se comunicar direto com os seguidores, do que responder as perguntas dos meios de comunicação corporativos.
Bannon ficou poucos meses na Casa Branca, e travou embates virulentos, por vezes sorrateiros, com diversos setores que compõe o governo. A família do presidente era um dos focos de conflito, pois a filha Ivanka e o genro Jared Kushner tem cargos de assessores sênior e livre trânsito na Casa Branca, e os dois defendem agendas a favor de acordos globais que Bannon era contra, além de também polemizarem contra as restrições imigratórias. Segundo Woodward, o próprio presidente tira sarro dizendo que os dois são “democratas porque foram criadas em Nova York”, mas o fato é que são agentes políticos realmente relevantes dos negócios bilionários do pai e sogro, e que expressavam contradições com o programa político antissistema da direita alternativa de Bannon. Também ocorreram conflitos com a presença sempre perene, seja em governos democratas ou republicanos, do establishment de Wall Street em posições chave da equipe econômica, geralmente representados por algum banqueiro do Goldman Sachs, antigo empregador de Bannon.
O fato é que Steve Bannon efetivamente enfrentou o status quo dentro da Casa Branca, e defendeu as agendas de campanha que mobilizaram as bases que elegeram Trump. Em palestra para estudantes de Oxford em novembro de 2018, Bannon admite que seu movimento e programa político fazem parte de um processo contínuo, complexo e contraditório, com vitórias e derrotas parciais, mas defende o governo Trump como um primeiro passo de ruptura com o establishment financeiro e com a globalização. Bannon inicia sua palestra dizendo que seu movimento é perigoso porque “é contra a ordem estabelecida”.
Segundo ele, os EUA estão apresentando um crescimento de 3,5% ao ano, quase o dobro da média anterior de 1,8%, ressaltando que Obama e os democratas convenceram as pessoas que este baixo crescimento é o novo normal. Mas deixando de lado o conteúdo de seu discurso ideológico sobre o suposto sucesso econômico do governo Trump em contraste com a “ordem estabelecida” anterior, Bannon discute com os alunos de Oxford questões sobre a organização e a forma de fazer política que ele propõe. Ele se intitula abertamente populista e nacionalista. Seu conceito de populismo diz respeito à expressão dos interesses dos “little men”, em tradução livre e contextual, do homem médio, da população comum, em oposição às elites ilustradas e endinheiradas. O nacionalismo diz respeito à soberania de seu país para defender os interesses dessa população comum da competição internacional, ou seja, da globalização.
Sob as acusações de xenofobia e racismo, Bannon se defende dos estudantes dizendo que seu nacionalismo é econômico, não étnico. Ele repudia duramente os ataques violentos de organizações racistas como a Ku Klux Klan, e num clichê comum também à direita brasileira, acusa a esquerda de também praticar atos violentos, no caso dos EUA, ele condena as supostas ações violentas do movimento Black Live Matters. Mas isso é lateral em seu pensamento. O que importa é discutir a defesa da cidadania norte-americana independente da etnia. Com um argumento astuto, Bannon diz que ao lutar por restrições imigratórias está defendendo os empregos e salários dos negros e hispânicos que sofrem com a competição da força de trabalho imigrante, e radicaliza, dizendo que é o establishment financeiro que exige imigração para pressionar para baixo os salários da força de trabalho. Fica claro que a direita alternativa liderada por Bannon tem a classe trabalhadora como sujeito e objeto de sua interpelação.
Questionado sobre o enfraquecimento da democracia que seu discurso radical de direita causa ao propagar a desconfiança da população nas instituições políticas estabelecidas e também contra a mídia, Bannon rebate a acusação com uma argumentação fática, e confronta as concepções liberais tradicionais sobre política. Segundo ele, as eleições de 2016 tiveram 114 milhões de votantes, e foi o maior engajamento eleitoral da história dos EUA. Mas não só isso, a população norte-americana está permanentemente mobilizada, à direita e à esquerda, participando do debate público, manifestando-se, através dos novos meios de comunicação e nas ruas. E aqui, o estrategista da nova direita populista aprofunda seu discurso antissistema.
Segundo Bannon, o populismo está ressurgindo contra as estruturas de poder em todo o espectro político. Ele argumenta que a principal missão do Breitbart News sobre seu comando foi confrontar o establishment republicano, e não o Partido Democrata. Após a vitória de Trump nas primárias contra os oligarcas republicanos como Mitt Romney, John McCain, os Bush, e etc, ele conta que foi sondado por agentes da esquerda para combater o establishment democrata, ou seja, Obama, os Clinton e etc. Segundo ele, a esquerda percebeu a necessidade de um “Breitbart progressista”. Contra as acusações de que seu discurso é baseado na raiva, ele diz que o populismo “esquentou” a política, e que isso é bom para todos, inclusive para a esquerda que venceu as eleições legislativas de 2018, porque, de acordo com ele, se mobilizou através desse “esquentamento” e dessa raiva, e deve ser admirada por isso.
Bannon analisa também que o Brexit6 faz parte deste contexto pela direita, e cita pela esquerda o líder trabalhista Jeremy Corbyn na Inglaterra, e Bernie Sanders nos EUA. Ele revela que seu movimento busca conquistar o apoio dos eleitores de Sanders nos EUA, pois tem em comum o nacionalismo econômico, e indica dados de que esses eleitores não votaram e não pretendem votar em Hillary Clinton em 2020. O manejo dos instrumentos digitais ocupa lugar fundamental em sua estratégia. Desde meios de comunicação, como foi o Breitbart News e as redes sociais a exemplo do Twitter, mas principalmente a coleta e análise de dados em massa que servem para visualizar os anseios da população através da internet. “O Movimento” oferece, como arma principal para os líderes da direita, o processamento de big data sobre as tendências políticas da população. Na Europa, Bannon diz que está trabalhando pelo diálogo cada vez maior entre os líderes populistas de direita, e está realizando pesquisas, análises e montando estratégias sobre as eleições para o Parlamento Europeu em maio de 2019, e avalia que o populismo deve varrer o establishment liberal da União Européia em Bruxelas.
Por fim, Steve Bannon faz uma audaciosa análise de conjuntura do difícil momento que vive o governo Trump e sua projeção para as eleições de 2020. Com a derrota legislativa de 2018 e perda do controle da Câmara para os democratas sob o comando da experiente Nancy Pelosi, as investigações e o desgaste contra o presidente devem se intensificar. Esse movimento para derrubá-lo irá forçá-lo a buscar sua base eleitoral radical, por isso a contra-ofensiva na questão da imigração encaminhando a promessa de campanha do muro na fronteira com o México. Essa radicalização do cenário político coloca o establishment financeiro, que quer estabilidade, novamente a favor de Hillary Clinton, que já trabalha para ser a candidata democrata em 2020. No entanto, os setores populistas de esquerda é que foram os protagonistas das eleições legislativas e conquista da Câmara, o que irá radicalizar a luta dentro do Partido Democrata também. Dessa forma, segundo Bannon, pode surgir uma alternativa de centro dos dois partidos que queiram evitar uma disputa radical em 2020, unindo moderados como Mitt Romney (republicano) e Joe Biden (democrata), numa terceira via viável pela primeira vez na história.
Este pequeno retrato da atuação e formulação política de Steve Bannon compõe um quadro mais amplo no qual a maior potência econômica e militar do mundo está em profunda transformação desde a crise de 2008, e portanto, também toda a geopolítica e economia política mundial. É uma transição turbulenta, na qual não é possível ainda prever seus desdobramentos e como se estabilizará o novo regime de acumulação e o modo de regulação deste novo capitalismo que surgirá da crise do pós-fordismo e do neoliberalismo. Mas interessa ressaltar a importância do populismo nessa transição. A direita sai na frente, elege um presidente no centro econômico e militar do capitalismo, ainda que com muitas dificuldades para governar, e forja um ativista e estrategista de longo prazo. Se Bannon estiver certo e for pelo menos parcialmente vitorioso nas disputas do Parlamento Europeu e na eleição de 2020, a tendência populista neoconservadora deve se consolidar, e em caso de derrota, as contradições que originam esses movimentos não devem desaparecer.
A esquerda lança alguns líderes, mas que tem muito mais dificuldades de chegar ao poder, como Corbyn e Sanders, ou não consegue fazer avançar um programa minimamente transformador dentro das estruturas estatais existentes, como o Syriza na Grécia algemado pelo financismo alemão, e os governos de esquerda na América Latina, que na sua maioria foram derrotados ou derrubados, mesmo quando sequer tinham um programa radical, como é o caso do Brasil. No entanto, as dificuldades de composição de interesses contraditórios dentro do Estado não é exclusividade da esquerda, como se vê na passagem de Bannon pela Casa Branca.
Olhando para o Brasil, o recém empossado Jair Bolsonaro parece também enfrentar contradições insolúveis entre agendas econômicas e sociais incompatíveis de setores que integram o governo. Mas sua relação direta com sua base popular e o esforço de expressar sentimentos do homem comum, do “little men”, como diz Bannon, indicam haver uma força populista que sustente por um tempo o novo governo. O apelo pseudo-nacionalista joga papel central, e os instrumentos digitais mais ainda, o enfrentamento com os grandes meios de comunicação é claro e insofismável apesar do apoio midiático às pautas econômicas. Apesar de hipocrisias e da dominação flagrante do capital financeiro sobre o governo, o fato inegável é que a nova direita brasileira em ascensão tem uma estratégia populista, ainda que incipiente e tosca. O problema é que a esquerda sequer tem isso. Lula, o líder mais popular da esquerda brasileira, está preso, e nunca enfrentou o status quo econômico ou midiático.
Na verdade, o populismo não era o centro da estratégia política de Lula e seu partido, e nem o nacionalismo o conteúdo de seu programa. Pelo contrário, o PT surge contra a tradição nacional-populista do trabalhismo de Getúlio Vargas, com apoio teórico da sociologia da USP que criticava o populismo como manipulação oportunista das massas. Essa concepção vulgar e negativa de populismo já foi criticada em diversas ocasiões, mas importa menos o debate teórico – que também deve ser realizado – do que suas repercussões políticas. Com a estigmatização negativa do termo populista, realizada também pela própria esquerda, os partidos e movimentos populares brasileiros foram alijados da estratégia e dos instrumentos necessários para chegar ao poder, e para enfrentar a ordem estabelecida.
É preciso refletir se é possível construir um populismo pujante de esquerda que chegue ao poder. De imediato, uma das questões candentes é retornar aos formuladores teóricos e à história do populismo latino-americano e brasileiro. A partir disso, reconstruir organizações de massas como as que já existiram, para mobilizar o povo no sentido de influenciar e transformar as estruturas da economia política. Para tal, seria preciso não ter medo de se relacionar com o homem comum e suas contradições ideológicas, o que cria problemas axiológicos para a esquerda sobre identidades religiosas, raciais, de gênero, e etc. Além disso, teria que se investir prioritariamente nos novos meios de comunicação e processamento de dados para conseguir interpelar essa população que se vê desconectada com o sistema político, o que envolve infraestruturas materiais e financeiras geralmente não disponíveis para a esquerda. De toda forma, a direita norte-americana mostrou sucesso e a direita brasileira a emula mesmo que precariamente. A esquerda populista dos países centrais ainda se move com pouca efetividade, mas atua com ousadia e sem dúvida está em ascensão. Por aqui, precisamos urgentemente de um Steve Bannon de esquerda, ou mais precisamente, de uma organização política capaz de levar a cabo uma estratégia nacional-populista de esquerda (para que não seja acusado de esperar um salvador da pátria).
Notas de Rodapé
- Refere-se à ala radical do Partido Republicano dos EUA que é informal e passa a se organizar a partir da eleição do democrata Obama em 2009.
- Referência à diretora alemã de “O Triunfo da Vontade”, icônico filme de propaganda nazista na década de 30.
- Abreviação em inglês para “direita alternativa”, expressão que surge para designar diversos movimentos de direita antissistema.
- Um dos mais importantes jornalistas políticos de todos os tempos, expôs, com seu colega Carl Bernstein no Washington Post, o escândalo do Watergate que derrubou o presidente Richard Nixon em 1976. Venceu dois prêmios Pulitzer, o primeiro pela investigação sobre Nixon, e o segundo pela cobertura dos atentados terroristas do 11 de Setembro.
- WOODWARD, Bob. Medo: Trump na Casa Branca. São Paulo: Todavia, 2018, p. 35.
- Abreviação para o plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Européia e também é caracterizado como um movimento populista e nacionalista.
*Luiz Roque Miranda Cardia é Advogado, mestrando em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e editor do Portal Disparada.
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