O ingresso passivo e subordinado na globalização durante a era dos Fernandos – Collor (1990-92) e Cardoso (1995-2002) – empurrou o Brasil para o emparedamento entre dois tipos de saídas nacionais.
A primeira em referência às nações de alta renda per capita de organizada e regulada exploração econômica do trabalho por meio dos investimentos em educação, ciência e variada inovação (tecnológica, institucional, produtiva e outras) – geradora de ganhos sistêmicos da produtividade.
E a segunda saída associada aos países de baixa renda per capita deliberada espoliação econômica do trabalho que busca alcançar a produtividade espúria na forma da regressiva dos custos de produção, sem maiores investimentos em educação, ciência e inovação.
A experiência nacional do início da década de 2000, de ganhos sistêmicos de produtividade que permitiram combinar democracia com crescimento econômico e justiça social, foi interrompida com a retirada da presidenta Dilma, eleita democraticamente.
Desde 2016, uma nova convergência de interesses dominantes apontou pela via liberal da espoliação econômica do trabalho, em busca dos ganhos espúrios de produtividade.
As reformas em fase de implementação tratam da secundarização das regras de sustentabilidade ambiental, da liberalização no uso de agrotóxicos, da privatização de empresas públicas, do corte nos gastos sociais, da desregulação do trabalho, entre outras medidas.
Diante disso, o Sistema de Relações de Trabalho Corporativo (SRTC) passou a sofrer o maior e principal ataque desde sua implementação pela Revolução de 1930 que marcou a transição para a sociedade urbana e industrial no Brasil.
Ainda que o Sistema de Relações de Trabalho tenha amenizado suas características corporativas, sobretudo as de natureza autoritária com o fim da Ditadura Militar (1964-1985), parece inegável, no período recente, o avanço em direção ao modelo contratualista.
Pelo receituário neoliberal recuperado pelo governo Temer e, possivelmente, a ser aprofundado pela vertente ultraliberal do presidente eleito Bolsonaro, o trabalho deixa de ser identificado como uma espécie de mercadoria especial. Ao ser tratado como mercadoria qualquer, o segmento do mercado por onde ocorrem suas transações deixa de merecer atenção especial, conforme consagrado pela diversidade de instituições atuantes no Sistema Relações de Trabalho Corporativo.
Em síntese, a especialização própria gerada pela necessidade da regulação contratual (direito do trabalho), resolução de conflitos (Justiça do Trabalho), organização de interesses coletivos (sindicatos, diretorias de recursos humanos), fiscalização de normas e implementação de políticas públicas (Ministério do Trabalho, Secretarias Estaduais do Trabalho e Ministério Público do Trabalho), entre outras.
Em função disso, o governo Temer estabeleceu nova legislação que destrói as instituições próprias do SRTC. Com a aprovação da “reforma” trabalhista e da Lei Geral da Terceirização, em 2017, vem transcorrendo uma série de declínios, conforme registrados na negociação coletiva entre sindicato e entidade patronal, na regulação dos conflitos pelos processos na Justiça do Trabalho, na estrutura de representação de interesses através da asfixia do financiamento obrigatório, redução na fiscalização do trabalho, na expansão da informalidade e precarização das ocupações e outras situações de rebaixamento do trabalho enquanto mercadoria especial.
O próximo governo Bolsonaro aponta para a desconstituição do Ministério de Trabalho, assim como suas funções de reconhecimento das instituições de representação de interesses, da fiscalização das condições e relações de trabalho e da formulação e implementação de políticas públicas.
Na mesma direção, a introdução da carteira de trabalho verde e amarela, a prevalecer acima do que estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tende a estimular fundamentalmente relações de trabalho de natureza contratualista.
O afastamento do caminho previsto na legislação trabalhista favorece a substituição da Justiça do Trabalho pela justiça comum e a mediação externa ao sindicato nos conflitos que se explicitam.
A desregulação neoliberal no Brasil gera ainda maior desequilíbrio na relação entre o capital e trabalho, indicando, como já observado por inúmeros estudos e pesquisas internacionais, que o caminho livre para a maior espoliação econômica do trabalho e dos recursos naturais, fontes da produtividade espúria.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.