É bom reiterar nesta fase final da breve campanha política que as eleições de outubro serão decisivas não só para o destino do povo e da nação brasileira, mas igualmente para o conjunto dos países latino-americanos e caribenhos que estavam desenhando um novo arranjo geopolítico no continente, agora seriamente ameaçado pela restauração do neoliberalismo em boa parte da região e a feroz e renovada ofensiva contra a Venezuela, Nicarágua, Cuba e Bolívia, alvos da chamada guerra híbrida. Os EUA são o grande protagonista desta onda reacionária.
O golpe no Brasil está inserido e deve ser compreendido neste contexto histórico mais geral. Entre os propósitos das forças golpistas destacam-se, internamente, a redução dos direitos sociais; a flexibilização da legislação trabalhista e precarização do mercado de trabalho; o austericídio fiscal (com o congelamento dos investimentos públicos primários por 20 anos) e, como decorrência, o desmantelamento das políticas de bem-estar social. Para completar a empreitada regressiva temos a crescente hostilidade contra os movimentos sociais e a tentativa de estrangulamento financeiro das centrais e dos sindicatos.
Um golpe de classe
Essas medidas têm por complemento, no plano internacional, a subversão da política externa brasileira, novamente subordinada aos desígnios e ao Consenso de Washington; a alteração das regras de exploração do pré-sal em benefício do capital estrangeiro; o enfraquecimento da Petrobras e a desnacionalização e privatização de “tudo que for possível”.
Deste modo, por seu conteúdo e pelo comportamento efetivo das classes sociais nele envolvidas, o golpe pode ser caracterizado do ponto de vista marxista como um capital contra o trabalho que, ao mesmo tempo, agrediu profundamente os interesses nacionais e obscureceu a perspectiva de um desenvolvimento soberano, baseado na democracia, na valorização do trabalho e na integração regional.
A exemplo do que ocorreu no golpe militar de 1964, o capital financeiro internacional, cujos interesses orientam a política imperialista dos EUA, uniu-se às classes dominantes brasileiras (leia-se: a grande burguesia urbana e rural) para impor a política de restauração neoliberal rechaçada pela população e derrotada nas quatro últimas eleições presidenciais. Restou mais uma vez comprovado o caráter antipatriótico da burguesia nativa, o que remete à nossa classe trabalhadora a responsabilidade maior, senão exclusiva, pelo resgate de um projeto nacional de desenvolvimento com soberania, democracia e valorização do trabalho.
O golpe no Brasil está alinhado com os golpes em Honduras (2009) e Paraguai (2012), os retrocessos na Argentina, Equador e Chile, e as tentativas de desestabilização dos governos progressistas da Venezuela, Nicarágua e Bolívia. São acontecimentos que, embora possam parecer distantes e desconexos, integram o mesmo movimento reacionário protagonizado pelos EUA em aliança com as classes dominantes locais.
O novo arranjo geopolítico que vinha sendo desenhado na América Latina e Caribe (após a derrota da Alca e criação da Unasul e Celac) está sendo revertido, mas vivemos um momento histórico em que tudo que parece sólido se desmancha no ar. O golpe de 2016 logrou promover retrocessos inéditos e em vários aspectos já superou em malefícios sociais a herança sombria do regime militar.
Faltou-lhe, porém, desde sempre – e não é de estranhar -, o apoio popular, pois tudo que fez – ao contrário das promessas – foi agravar os problemas econômicos, políticos e morais. Por esta e outras, o golpista Temer é, hoje, o político mais rejeitado e execrado da nossa história. Nenhum presidenciável quer a sua companhia e foge dele como o diabo da cruz. O comportamento cínico de Geraldo Alkmin neste sentido chega a ser hilárico. Mas o povo, embora desnorteado pela narrativa midiática, não é bobo. Diante das urnas, haverá de saber identificar, entre os candidatos, quem apoiou e quem se opôs e se opõe aos golpistas e sua agenda de restauração neoliberal.
Prenderam, isolaram e calaram Lula em Curitiba, impedindo-o de participar do jogo eleitoral, com o objetivo de preservar a agenda golpista, cujo principal beneficiário é o imperialismo americano. Entretanto, Lula agora é Haddad e Manuela e o pleito de outubro oferece ao povo brasileiro uma oportunidade ímpar de derrotar os golpistas, barrar o retrocesso e virar o jogo no Brasil e na América Latina. Não devemos medir esforços para que assim seja.
Umberto Martins é jornalista e assessor da CTB