Neste mês de agosto de 2018, onde no dia 29 de Agosto demarcamos o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, quero dedicar minhas palavras para todas as mulheres que estavam na luta antes de nós, e em especial para: Lurdinha, Claudete, Carla e MaryLúcia, guerreiras que contribuiram com suas vidas para escrevermos a nossa história.
Nossos passos vêm de longe!
Muitas de nós já foram queimadas em fogueiras! Muitas de nós estavam na linha de frente como atiradoras de elite na Revolução Russa! Muitas de nós como Aqualtune avó de Zumbi dos Palmares estavam dirigindo quilombos, grandes espaços de luta e resistência!
Muitas de nós como Helenira estavam no Araguaia liderando guerrilhas! Muitas de nós já foram estupradas nos porões da casa grande! Muitas de nós perderam seus companheiros e companheiras, perderam seus filhos e filhas no terror da ditadura!
Lutamos para que não esqueçamos e que tudo isso nunca mais aconteça. Os dias de chumbo da ditadura militar de 1964, nos lembram o período que estamos vivendo nos dias atuais.
A história de mulheres que amam outras mulheres não representa nenhuma novidade em nossa sociedade, já que a origem do termo lésbica, provém da ilha de Lesbos, ilha grega da Ásia Menor, marcada pela presença de Safo (século VII a.C), poetisa de talento excepcional cuja inspiração era insuflada pela paixão e desejo por mulheres. Sua obra foi queimada e reduzida a fragmentos, por sua orientação sexual e pela devoção às deusas gregas. As mulheres nascidas em Lesbos, eram chamadas de lésbicas.
No Brasil, no século XVI, Felipa de Souza foi denunciada ao tribunal do Santo Ofício, na Bahia, por “práticas diabólicas”. Entre essas práticas, fazer amor com mulheres. Sua punição foi severa: a humilhação e o açoite públicos seguidos pelo exílio e morte.
Hoje, no século XXI, pode-se dizer que muita coisa mudou, em decorrência da luta, da organização e da resistência das mulheres LBT. As mulheres lésbicas, bissexuais e trans brasileiras não são açoitadas em praça pública e não podem ser legalmente punidas por suas escolhas afetivas e sexuais. No entanto, o preconceito e a conseqüente discriminação seguem impedindo o exercício de liberdades fundamentais, matando e violando os direitos humanos das mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais.
Seguimos lutando e perguntando quem matou Marielle, uma militante negra, lésbica que foi brutalmente assassinada por ser uma defensora dos direitos humanos, por ser mulher negra periférica e por amar outra mulher.
Enganam-se os(as) que ainda pensam que nós, Lésbicas/Feministas Emancipacionistas, nos tornamos cidadãs fazendo as nossas lutas especificas, por conquistas de direitos civis, sociais e políticos para as mulheres LBT.
Nossa luta pela conquista da cidadania passou e passa pela nossa participação nos movimentos democráticos pela Independência do país, contra o crime brutal da escravatura, pela República, contra o Estado Novo, pela Paz, contra a Ditadura Militar, pela Anistia, contra a Carestia, pelas Diretas Já, contra o racismo, pela Constituinte, contra a corrupção, pelo “Impeachment” de Collor, contra a Privatização do Estado, pela Reforma Agrária, pela Reforma da Mídia, pela Reforma Política, pela Reforma da Educação, contra o Estatuto da Família, pela Autonomia dos Movimentos Sociais, contra o Estatuto do Nascituro, pelos Direitos da Classe Trabalhadora, pela Descriminalização e Legalização do Aborto, contra a Lesbofobia, contra a Bifobia contra a homofobia, contra a transfobia, contra os fundamentalismos, contra a fome, pela Laicidade do Estado, pela Democracia, pela Soberania Nacional, pela Petrobrás, pelo pré-sal, pela Escola Sem Mordaça, pela não redução da maior idade penal, pela manutenção do gênero na educação em todos os níveis e modalidades de ensino, contra o golpe que retirou a presidenta Dilma e fez com que o Brasil entrasse em uma profunda crise política, institucional, econômica e um projeto ultraliberal e conservador tomasse conta do país.
Desde 2016 pós golpe vivemos um período sombrio, de retirada de direitos, de barbárie, que considero a sala de espera do fascismo.
O que o fascismo foi e é, um sistema de governo em conluio com grandes empresas, que favorecem economicamente com a cartelização do setor privado, os subsídios às oligarquias financeiras e econômicas. Quando as crises rebentam as pessoas humanamente interrogam-se sobre o dia de amanhã. A reação mais imediata e espontânea é o receio pelo seu futuro. Se num primeiro impacto os princípios da sociedade que os impôs são postos em causa, a seguir regressam em força, pela mão dos agentes mais violentos do capitalismo.
O golpe no Brasil tem muitas dimensões e acentua o acirramento da luta de classes, concentrando mais ainda a riqueza em prejuízo da classe trabalhadora. O impeachment foi um golpe sem crime de responsabilidade, que esconde a verdadeira máscara dos interesses do capital que é exterminar os governos populares e progressistas da região que formaram um bloco anti – imperialista latino – americano, que fortaleceram as relações regionais a nível político e econômico e articulações transcontinentais especialmente no caso da Venezuela e Brasil sendo o BRICS a expressão mais destacada deste tipo de aliança.
A crise do capitalismo nos últimos 10 anos mostra que a saída dos governos neoliberais, do capital financeiro e especulativo tem sido o arrocho e o aperto para cima dos(as) trabalhadores(as).
A consequência é nítida: aumento da fome, pobreza, de guerras e conflitos em diversas partes do mundo.
Vivemos uma conjuntura de avanço do conservadorismo e de perda de direitos sociais e trabalhistas historicamente conquistados, seguido do aumento da violência e do controle sobre a vida e o corpo das mulheres, com o aumento do racismo, aumento do feminicídio, da lesbofobia, da bifobia, da homofobia, da transfobia, além da repressão, criminalização aos movimentos sociais e populares, criminalização do movimento sindical, das Centrais Sindicais e da desqualificação e perseguição das esquerdas.
Além de tudo isso também foi aprovada a EC 95(Emenda Constitucional do Ajuste Fiscal) – que congela o orçamento obrigatório para a educação, assistência social, saúde e segurança por 20 anos, buscando sucatear ainda mais a educação pública e acabar com o SUS, para assegurar os ganhos astronômicos dos rentistas e ter mais elementos para privatizar o Brasil.
A reforma trabalhista, assume proporções devastadoras e o desemprego já atinge mais de 200 milhões de trabalhadores(as) no mundo.
Somos trabalhadoras(es): mulheres, negras, jovens, lésbicas, e as que mais sofrem com as maldades deste governo golpista.
Nos dias de hoje, os fundamentalistas que estão representados no Congresso Nacional pelas bancadas do Boi, Bala, Bíblia(BBB), ainda afirmam que o divórcio é uma praga, que o aborto é um crime e entendem que o grande papel da mulher é procriar e cuidar da família, e que as Lésbicas, as Bis, as Travestis, as Transexuais e os Gueis são pessoas que necessitam de “ajuda” da medicina, dos exorcistas ou da polícia.
A questão não é ser Lésbica mas sim, a lesbofobia que enfrentamos a cada dia, nessa sociedade regida pelo heteropatriarcado, pelo sexismo, pelos fundamentalismos que excluem e tão brutalmente destroem vidas e sentimentos, impedindo que nos expressemos livremente. É preciso considerar o processo de exclusão existindo a partir de determinadas opções ideológicas, de classe social, gênero, raça/etnia, livre orientação e expressão sexual, identidade de gênero, condições sociais e individuais exigidas para atingir as suas necessidades. Portanto, é um processo múltiplo que se compõe de situações de apartação de condições de classe, qualidade de vida, dignidade e igualdade de direitos e resultados.
Os feminicídios estão acontecendo com requintes de crueldade e violência, e as mulheres LBT não aparecem nas estatísticas por estarem invisíveis, pois na maioria das vezes todas as mulheres são consideradas heterossexuais.
Peço licença para compartilhar um fragmento do Dossiê sobre o Lesbocídio no Brasil( pg: 30 -31), por considerar o tema do suícidio ou crime de ódio coletivo muito importante. Quero afirmar que MaryLúcia Mesquita sofreu Lesbocídio ou seja, crime de ódio coletivo.
Lembro também de Roseli Roth, a primeira lésbica que apareceu em cadeia nacional no programa da Hebe Camargo na década de 70. Também sofreu crime de ódio coletivo e resolveu partir.
“A condição lésbica é bastante complexa e trata-se de uma condição sociocultural, política e econômica que perpassa todos os indivíduos, pois vincula-se a manutenção de uma sociedade pautada por um modelo hegemônico heterossexual. Assim, o preconceito expresso em palavras e atos é a parte visível de valores e estruturas que sustentam a comunidade da qual as lésbicas serão sempre forasteiras. Ser lésbica é compreender que não existem espaços feitos para você e que sua existência nunca será validada pelo entorno social. O suicídio é comum a todas as lésbicas, em todas as classes sociais, idades, tipologia etc.”
Por tanto neste momento precisamos definir de que lado estamos. Existem dois projetos em disputa. Um projeto aponta para o aprofundamento da crise, para o ódio, para o sucateamento de todas as políticas públicas, para o aumento do machismo, do racismo, da LGBTfobia.
O projeto que defendemos aponta para a revogação da reforma trabalhista e da EC 95 para que possamos ter uma educação pública de qualidade, emancipatória e sem mordaça, o fortalecimento do SUS e políticas públicas de qualidade e transversais para as mulheres negras, lésbicas, bissexuais, transexuais e para todo o povo brasileiro.
O projeto que defendemos aponta para a esperança, para valorização das diversidades, para a liberdade de expressão, para a liberdade de amar, para uma vida digna, mais fraterna e mais feliz.
Acreditamos que tudo isso é possível!
Acreditamos e desejamos transformar a realidade e para tanto temos que nos desafiar e nos colocar na disputa de espaços de poder.
Temos que entrar na política, para mudar a política!
Chega de sub-representação das mulheres, da juventude, de negras e negros, LGBTs na câmara federal e em todo o parlamento.
Lute como uma professora!
Por Todas Nós!
“Alguém, creio, lembrará de nós no futuro”
(Safo de Lesbos, 640 a.C.)
Silvana Conti é professora aposentada da Rede Pública Municipal de Porto Alegre. Lésbica e Feminista. Vice-Presidenta licenciada da CTB-RS, licenciada. Membra da Direção Nacional da UBM na pasta LBT. Membra do Conselho Nacional LGBT, licenciada e candidata a deputada federal pelo PCdoB-RS. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.