“É preciso que as pessoas saibam do heroísmo do povo brasileiro”, este é o desafio de José Carlos Ruy ao contar a história do Brasil através da luta de classes em seu mais recente livro, Biografia da Nação.
Para Ruy, contar a história de um país é falar dos trabalhadores “de quem está por baixo porque sempre prevaleceu a visão da classe dominante”. Partindo deste princípio, seu livro busca apresentar a qualquer leitor que tenha interesse no tema – não ao público acadêmico, necessariamente – o desenvolvimento da nação sob o ponto de vista marxista das relações de produção.
O livro traz um recorte de uma vasta bibliografia que começa em meados de 1600 e segue até os anos 2000. Nele, Ruy passa por uma série de autores fundamentais. “Quando comecei a estudar história mais sistematicamente, aí pelos anos 70, me apoiei muito num livro genial, do Nelson Werneck Sodré – O que se deve ler para conhecer o Brasil. Trata-se de um roteiro para estudos, que divide a questão em temas e comenta os principais livros a respeito. É, em minha opinião, um livro fundamental– para mim foi”.
“Entre os estudiosos do Brasil, acho que cabe destacar alguns nomes – gente do passado, como João Francisco Lisboa, Capistrano de Abreu, ou mais recentes como José Honório Rodrigues ou Darcy Ribeiro, para citar apenas alguns. A historiografia brasileira é muito rica e daria para estender esta lista. Não precisamos concordar integralmente com todos, mas é gente que estudou o Brasil e os brasileiros a fundo, apontando caminhos para estudos futuros. Fiquei muito impressionado com Capistrano de Abreu, desde quando o li pela primeira vez, faz mais de 40 anos – foi um historiador que desbravou novos terrenos, o estudo do povo, da ocupação do território, das formas de organizar a vida. Foi um apaixonado pelo povo capado e recapado,, sangrado e ressangrado, como escreveu certa vez”, explica o autor.
Um projeto de nação
No Brasil pós-golpe, a tarefa do campo progressista é debater um projeto de nação que dê conta de atender às demandas urgentes do povo brasileiro. A obra de Ruy traz uma perspectiva histórica fundamental para este debate porque se apoia nas contradições das lutas populares que forjaram a nação brasileira.
Longe do estilo acadêmico, Ruy usa com mestria sua longa trajetória como jornalista para resgatar a história do Brasil como se fosse uma grande reportagem que vem ao encontro deste debate sobre os rumos do país.
Segundo Ruy, o projeto do livro começou a ser esboçado por volta do ano 2000, quando ele iniciou a pesquisa para um artigo que acabou por se desdobrar em oito e estes deram a base desta obra que chega hoje às mãos dos leitores. “[Após quase 20 anos] o Brasil permanece o mesmo, com as mesmas contradições. No ano 2000 tínhamos o governo Fernando Henrique com a tentativa de implementação do neoliberalismo e com uma resistência intensa. Hoje, no Brasil pós-golpe, temos uma situação política mais agravada. Agora o projeto neoliberal está sendo implementado friamente, o país sendo desmontando, a legislação social e trabalhista sendo extinta, isso impõe um desafio muito grande para quem luta contra isso”, afirma.
Ao identificar que as contradições continuam as mesmas, Ruy mostra que também a classe dominante continua sendo a que “historicamente explorou o povo brasileiro”. “Os responsáveis pelo golpe de hoje são netos e bisnetos das elites históricas deste país que nunca perderam seus privilégios”.
Para dar apenas um exemplo destas contradições, Ruy destaca o período da Independência, que no Brasil, diferente de outros países, não se deu com uma grande ruptura, mas teve ampla participação popular. Ele enfatiza o papel de José Bonifácio: “Sobre José Bonifácio, [Francisco Adolfo] Varnhagen construiu sua má fama histórica que o denuncia como um déspota implacável. Mentira decorrente dos interesses que Varnhagen defendia. Quando se vê a história, deve-se reconhecer o papel positivo do Patriarca da Independência, que foi caluniado por Varnhagen, um historiador que exprimia os pontos de vista da classe dominante de escravistas, latifundiários e homens do dinheiro. José Bonifácio tinha um projeto de modernização e desenvolvimento do país que ainda, quase duzentos anos depois, não foi realizado, e contrariou os interesses daquela classe dominante cujos descendentes são, hoje, os neoliberais e os especuladores financeiros, forças do atraso e do subdesenvolvimento que ainda subjugam o país a seus interesses mesquinhos”.
Passados quase 200 anos da Independência, este projeto de nação ainda não se consolidou e o povo brasileiro continua a pavimentar, com poucos avanços, o caminho de um país mais justo. Para Ruy, o cenário hoje é favorável para uma ruptura mais intensa. A história, apresentada nesta obra de forma impecável, nos mostra que muito foi feito para se chegar neste momento histórico. O desafio agora é ir além.
Fonte: Portal Vermelho, por Mariana Serafini. Foto: Clécio Almeida