As dinâmicas entre os governos/oposições – e as eventuais trocas de uns por outros – nos últimos tempos na América Latina permitem diversas possibilidades de classificação democrática: retomada de poder mediante eleições; golpes parlamentares (mais ou menos rápidos); sabotagem e desestabilização institucional provocada (combinadas com outras pressões externas)…
Mesmo que o presidente Tabaré Vázquez tenha sido muito enfático ao dizer que “não haverá militares nas ruas do país”, o assunto já integra posicionamentos dentro do espaço opositor Mesmo que o presidente Tabaré Vázquez tenha sido muito enfático ao dizer que “não haverá militares nas ruas do país”, o assunto já integra posicionamentos dentro do espaço opositor
No caso do Uruguai, há vários elementos que devem ser considerados neste sentido, isso é, para ir observando o tipo de atuações das forças opositoras da direita que buscam dar fim às mudanças levadas adiante pelos governos da Frente Ampla.
As direitas uruguaias de ontem e de hoje
Este ano se completam 45 anos do golpe militar de 1973 e, em sintonia com protagonismos militares que se observa em países próximos (como o Brasil), no Uruguai também há uma circunstância chamativa, a partir do ponto de vista democrático, que impacta na arena política e reorganiza alguns elementos do campo opositor.
O quadro relativamente claro de uma Frente Ampla dominante, com capacidade de iniciativa política, ocupando a cena partidária de forma majoritária – situação que durou vários anos – parece ter-se atenuado e, para variar, também nisto estão envolvidos os militares.
No Uruguai, a “questão militar” já reapareceu de forma diferente como aconteceu no Brasil e na Argentina, talvez como um caso intermediário. No Brasil, tal reaparição tem tido um protagonismo explícito e desmedido (não só pelas mensagens em redes sociais, mas também aparições midiáticas) e, na Argentina, apesar de os militares não terem conseguido se reposicionar como mediadores dos discursos, já há movimentos internos adaptando-se a uma nova “função militar”: a de intervir nos assuntos de segurança interna (questão que, até o momento estava impedida por lei, mas que o governo de Maurício Macri tratou de modificar).
No caso uruguaio, é mediano: por um lado, apesar de o comandante do Exército G. Manini Ríos – nascido em uma família reacionária, que subiu três degraus da hierarquia na ditadura e com estudos nos Estados Unidos – todavia trata de manter uma compostura supostamente “equânime” (mas é autor da popular frase “não me merecem nenhum comentário”, sobre denúncias de torturas [1]), não deixam de ser preocupantes suas declarações recentes. Nelas reivindicou a ação das Forças Armadas para o plano interno, algo proibido no Uruguai e que, para os organismos de Direitos Humanos no país, “merece estrita atenção” [2].
Mesmo que o presidente Tabaré Vázquez tenha sido muito enfático ao dizer que “não haverá militares nas ruas do país”, o assunto já integra posicionamentos dentro do espaço opositor, com matizes que se ordenam segundo as fórmulas de atuação. Há posturas tradicionais, como a do influente senador nacionalista Jorge Larrañaga – candidato à vice-presidência – acompanhando Luis Lacalle Pou em 2014 – de fazer os militares terem participação direta em questões de segurança interior; também há quem defenda ampliar as atribuições das Forças Armadas; e a postura de Edgardo Novick – o segundo candidato mais votado das últimas eleições -de fazer os militares exercerem, entre outras funções, postos de destaques nas prisões [3].
Se fosse só em função de uma vindoura proposta eleitoral – porque o governo não parece modificar sua postura a respeito do tema agora – a circunstância não teria importância demasiada. Mas acontece que são alguns militares quem, a partir deste mesmo clima de protagonismo (futuro) gerado pelas reflexões partidárias, estão vendo crescer sua própria importância, reinterpretando sua autofiguração democrática. Por exemplo, a partir do “conflito com o campo” entre o governo e alguns produtores agropecuários no começo deste ano, se repetiram os contatos entre alguns círculos de militares retirados [4] – como “Unidos podemos” – com “Um só Uruguai” e, em particular, com o próprio Novick (um tipo de político opositor que parece estar melhor adaptado para o tipo de competências presidenciais que estão por vir, ao menos, com mais vantagem a respeito daqueles que não o fazem em algum partido “tradicional”).
Neste sentido, a “questão militar” permite observar com mais clareza os tipos de lideranças de direita atuais no Uruguai, como Novick, que fazem eco de uma suposta maior estruturação multiclassista das opções de concorrência, acumulando forças – porque sua fórmula partidária vem crescendo, à margem de sua pequena porção no Congresso [5] – sem deixar de somar um elemento que começa, lamentavelmente, a ser relevante para os tempos eleitorais democráticos: “o que dizem os militares?”. Se não, o que diz o cenário político brasileiro, onde todavia segue avançando nas pesquisas um capitão retirado do Exército que não deixa de reivindicar a atuação histórica das Forças Armadas. A questão militar na democracia, também no Uruguai.
Notas
[1] http://radiouruguay.uy/manini-rios-sobre-denuncia-de-torturas-y-violaciones-mo-me-merece-ningun-comentario/
[2] http://www.agenciapacourondo.com.ar/patria-grande/uruguay-criticaron-al-jefe-del-ejercito-por-reivindicar-el-terrorismo-de-estado
[3] https://www.elpais.com.uy/informacion/politica/novick-militares-controlen-carceles.html
[4] http://republica.com.uy/militares-admiten-contacto-con-un-solo-uruguay-aunque-no-formal/
[5] http://www.montevideo.com.uy/Noticias/Gustavo-Zubia-se-sumo-al-Partido-de-la-Gente-porque-Novick-es-un-individuo-con-ejecutividad–uc685301
Fonte: Celag, por Amílcar Salas Oroño. Tradução: Mariana Serafini (Portal Vermelho)