Não demorou muito, bastaram dois anos de golpe, e eis que o Brasil chegou no limite entre a civilização e a barbárie.
Não apenas a caixa de Pandora do fascismo foi aberta, mas juntamente com ela, também as portas do inferno foram escancaradas.
A crise gerada pela paralisação dos caminhoneiros despertou o que de pior estava escondido no seio da sociedade, oculto por algumas convenções e que só pode ser mantidas quando há uma noção mínima de conforto para a população, uma certa normalidade institucional e esperança de dias melhores.
Essa normalidade e esse conforto foram destruídos, e o que menos se apresenta no porvir é algum vento de esperança.
Os dias têm sido ruins, e o que mais se vê é a desesperança.
Nesses dois anos de golpe fomos perdendo a alegria, ao mesmo tempo em que perdemos também os poucos direitos sociais que havíamos conquistados mediante muita luta.
Um a um, nossos sonhos foram destruídos, despedaçados.
Todos eles.
Nosso líder maior está na cadeia.
A Petrobras, outrora orgulho nacional, jaz rapinada por uma quadrilha internacional de abutres salteadores, servindo ao capital estrangeiro.
A criminalidade, também reflexo do golpe, aumenta assustadoramente, o que piorou em muito a injustiça social no país.
Não há um Estado da Federação que não tenha organizada em seu território alguma facção criminosa, e esta domina o crime como se gerenciasse um negócio, e da maneira mais violenta possível.
O que mais se vê nas ruas é a luta desesperada e informal pela sobrevivência .
Vende-se toda sorte de quinquilharias, pessoas na porta dos restaurantes gritam cardápios do dia, vendedores fantasiados de palhaços anunciam ofertas com megafones.
Malabaristas nos semáforos fazem arte em troca de trocados.
Dentro desse quadro absolutamente melancólico, chega a meu conhecimento, através de email um vídeo de um protesto de caminhoneiros em alguma estrada do Brasil.
Nesse vídeo assisto, absolutamente estarrecido, a ação de caminhoneiros que sequestram um colega também caminhoneiro e, com requintes de crueldade, o torturam, de joelhos, expondo-o ao vexame e a ignomínia.
Passo à seguinte reflexão:
Que alguém declare voto em um ser abjeto, verme, escória da sociedade, representante do que há de pior no mundo, podemos debitar não apenas à democracia, que permite a liberdade de escolha até mesmo dentro de certos extremos, mas também debitar essa contradição por conta da absoluta deficiência educacional dos envolvidos, aliada é claro a um fascínio pela violência e fascismo, que historicamente sempre caminham juntos.
É evidente que os caminhoneiros e não apenas eles, mas todas as pessoas que fazem do credo bolsonariano sua profissão de fé, se vêm representadas pelo mesmo e pelo seu ideário nefasto.
Sendo assim, quando caminhoneiros que dizem “carregar o Brasil nas costas”, batem no peito orgulhando-se de que trabalham muito e trabalham duro, quando caminhoneiros, que teoricamente deveriam ser trabalhadores honestos, cometem crimes em nome de uma concepção de sociedade absolutamente obtusa e pautada na Lei de Talião, na lei do olho por olho, dente por dente, nos deparamos com a caixa de Pandora do fascismo aberta, escancarada.
A conclusão a que chego é a de que passamos de uma frágil democracia, muitas vezes injusta, é fato, mas onde ainda restava certa civilidade, e caminhamos a passos largos na direção de um abismo, um estado de barbárie que pode facilmente deslanchar para uma guerra civil, e se nada fizermos, sim, irá.
A caixa de Pandora está aberta, e o inferno, que antes anunciávamos aos sussurros, agora aos berros se faz ouvir.
Diógenes Júnior é assessor sindical, acadêmico em História, ativista político, pelos Direitos Humanos, pai do Fidel.
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