“Os pretos é chave, abram os portões!”
(Ponta de Lança, de Rincon Sapiência)
O ano de 2018 traz um cenário de grande significância, um ano eleitoral, e o marco dos 130 anos da Abolição da Escravatura. A Abolição lenta (Lei da Terra 1850), gradual (Lei dos Sexagenários 1885) e segura (Lei do Ventre Livre 1871), que ensaiou uma “liberdade” que ainda não cantou. O último país a constituir a Abolição, com a maior população negra fora de África, e que a contragosto, e com todo eugenismo, genocídio e miscigenação forçada, os pretos e os pardos são maioria da população brasileira conforme o censo de 2010. Após 130 anos da Abolição nossa busca continua a mesma, lutamos pela nossa humanização, contra a marginalização, a exclusão estrutural. Ainda lutamos pelo reconhecimento do nosso papel na formação econômica, histórico e cultural de nosso país.
A primeira maior população negra fora da África, completa agora em 13 de maio de 2018, 130 anos de Abolição. Ainda estamos refletindo sobre o dia seguinte daquilo que chamam de um marco civilizatório, a “Abolição”. Não temos compreensão, do signo deste marco civilizatório, entendo sua consequência na vida, e na constituição de um novo paradigma para a população negra na história do nosso país. Pois ainda hoje, estamos condicionadas às piores relações, e condições de trabalho, salários, moradia, saúde, mobilidade urbana e acesso à cultura em termos de produção, execução, e/ou conhecimento.
Nestes últimos 130 anos houveram mudanças substanciais, na formação sócio cultural, econômica e histórica de nosso país. Da Abolição (1888), à Constituição de 1988, essas mudanças se evidenciaram em várias formas de expressão, como simbolismo da resistência, à afirmação da identidade negra. Com tudo isso, a população negra, independente do sexo, recebe 50% menos na sua remuneração que a não negra, quando se inclui o recorte de gênero a situação fica ainda mais alarmante. Resquícios do escravagismo.
Ponta de Lança , de Rincon Sapiência
Estamos em um momento onde o país atravessa uma de suas maiores crises sociais, econômicas, sistêmicas e política. Onde o racismo estrutural se reapresenta com formato moderno de flexibilização das condições e relações de trabalho, e assim retrocedemos a esse tempo de dor, suor e lágrimas de sangue. E com esse entendimento precisamos ter e dar reconhecimento ao papel histórico das mulheres trabalhadoras, e em especial a seus ícones: As mulheres negras, que sempre compuseram a base da pirâmide socioeconômica do nosso país, e por isso se encontra em maior fragilidade no mercado de trabalho.
Esta relação contextualizada na história, demonstra uma percepção multidimensional da pobreza, que se exemplifica no cotidiano, na acessibilidade e na invisibilidade da população negra, em especial as suas mulheres, que sofre a influência do racismo estrutural na sua apresentação das relações socioeconômica e o racismo institucional que se materializa onde o estado sustenta a estratificação social, nas condições materiais para a nossa população, e assim mantém o status quo. Esse cenário aponta, que ainda que esse estado não tenha pena de morte, ainda assim é o que mais mata, um país em aparente estado de paz na política global, mas que se encontra com índice de mortalidade de guerra, pois de forma velada se encontra em uma verdadeira guerra civil.
A população brasileira vive em um estado de exceção. Sofremos um golpe político, e misógino, que se arrasta até os dias de hoje. O estado do Rio de Janeiro está sob intervenção militar, uma ação do governo federal e estadual que tem custado muito caro ao povo pobre, preto e da favela. Esse preço é ainda mais potencializado quando se trata das mulheres negras, que assistem seus filhos, irmãos e companheiros sendo mortos e/ou encarcerados.
Vivenciamos cotidianamente toda forma de racismo, intolerância e discriminação, seja pela nossa religião, ou pela nossa orientação sexual, pela cor da nossa pele, ou pelo local que podemos morar. A nossa exposição, a nossa vulnerabilidade, não nos fragiliza. Nesta esteira que se institui a criminalização dos movimentos sociais, e da pobreza. Contextualizada a esse cenário, foi construida uma referência, forjou- se uma guerreira, mas acima de tudo, uma mulher, um ser humano respeitável, empoderada, parceira de todas as horas. O movimento emancipacionista passa a ter uma voz, Marielle Franco, forte e altiva. E de tarde para noite sofremos uma grande perda. A execução de uma representante da população marginalizada e excluida. Estamos pagando com a vida, a luta por igualdade de direitos e condição. Essa é a forma que o sistema pensa que vai nos silenciar.
Mas nossa voz não calará. A vida, a luta dessa mulher guerreira não terá sido em vão. Faremos da Abolição inconclusa um veio de luta pelos direitos à liberdade e á vida. Por que vidas negras importam! Marielle e Anderson Presente! Sempre!
Mônica Custódio é secretária da Igualdade Racial da CTB.
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