Em entrevsita para a CartaCapital e o El País, o curador Gabriel Pérez-Barreiro afirma que Bienal de São Paulo compensará os “esquecidos” da arte latina em uma edição sem temática, com a proposta de “aceitar a diversidade”. Além disso, será uma mostra “anti-Facebook”
Convidado pela Fundação Bienal de São Paulo para desenvolver o projeto da 33ª edição, o curador espanhol (radicado em Nova York) Gabriel Pérez-Barreiro anunciou esta tarde 12 projetos individuais que integrarão a mais importante mostra de artes da América Latina, uma das maiores do mundo.
A 33ª Bienal, que tem o tema Afinidades afetivas (título inspirado pelo romance de Goethe, Afinidades eletivas, de 1809), será realizada em pleno ambiente eleitoral, em 4 de setembro deste ano.
Em momento de conflagração política no Brasil, Pérez-Barreiro diz que o tema da bienal tem a ver “justamente com a possibilidade de se aceitar a diversidade”, e que a função da mostra não é definir a superação das coisas, dizer que algo morreu e outra coisa surgiu em seu lugar, mas abrir espaço para diferentes sensibilidades.
Segundo ele, o momento é de perigo para essa capacidade de se olhar e compreender coisas diferentes em sua complexidade, de aceitar o olhar da diferença.
“Qual foi a conquista de (Donald) Trump?”, perguntou Pérez-Barreiro. “Foi reter e manipular nossa atenção o tempo todo. O Facebook captou isso, faz com que nós trabalhemos de graça dedicando nosso tempo e atenção e vendendo essa atenção. Às vezes, temos de tomar certa distância para enxergar melhor, senão estamos contribuindo ao contrário ao debate público”, afirma.
A Bienal tem essa responsabilidade, ele analisa, de ativar o pensamento crítico. O curador criticou duramente o Facebook. “É incrível, as pessoas se dispõem a vender ali horas do seu tempo, para depois essa atenção ser revendida. E isso leva a maior intolerância”.
O espaço público da bienal, considerou, acaba se consistindo num “antiFacebook”, no sentido de ser uma experiência para ativar o olhar, de não se prestar a ser um produto.
O retrato importante de uma América Latina esquecida
Em 1987, alguns catadores de sucata entraram em um hospital abandonado de Goiânia, no Centro-Oeste do Brasil, e furtaram algo com jeito de ter valor: uma cápsula que estava cheia de material radioativo e que eles abriram e carregaram por toda a cidade, na época com 1,3 milhão de habitantes. Pelo que se soube, 130.000 pessoas se aglomeraram em prontos-socorros. Delas, 250 tinham resíduos nucleares na pele. Mortos houve quatro: a mulher, a sobrinha e dois empregados de um dos ladrões (que faleceria sete anos depois, do alcoolismo no qual mergulhou pela depressão após as mortes). E artistas que retrataram aquele lamentável drama houve um: Siron Franco, que realizou uma série sobre aquilo, Rua 57, e que, segundo o anúncio feito nesta terça-feira, será um dos destaques da Bienal de São Paulo, a mostra de arte mais importante da América Latina.
“É a Guernica brasileira, guardando todas as proporções”, explica por telefone o curador desta edição, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro. “O incidente de Goiânia é muito importante na história do Brasil e na trajetória de Siron como artista, e falando com pessoas um pouco mais jovens que eu, muitos artistas não o conheciam. Fazia sentido recuperá-lo.”
Pérez-Barreiro, curador da 33ª Bienal
Pérez-Barreiro anunciou nesta terça seus planos para a Bienal deste ano, patrocinada pelo Banco Itaú entre outros. Nele, o papel do curador está deliberadamente reduzido em comparação com as edições anteriores. No que depende dele, tenta recuperar a arte latina que em sua opinião caiu em um esquecimento desmerecido. “Poderia trazer grandes estrelas do circuito internacional, mas é preciso pensar no que a Bienal contribui para o mundo. Não faço nenhum favor a ninguém se trouxer um americano famoso, por mais fã que seja deles.” Assim, o outro ponto forte anunciado é uma homenagem a três latinos já mortos: o guatemalteco Aníbal López, o paraguaio Feliciano Centurión e a brasileira Lúcia Nogueira.
“São três artistas que morreram muito jovens, mas foram importantes nos anos 90: são história recente da arte contemporânea, que costuma ser o ponto cego da região. Ou conhecemos as obras mais distantes ou as próximas”, prossegue Pérez-Barreiro. “Aníbal e Feliciano tinham sua obra em condições muito precárias porque vinham de países sem tradição museológica. Lúcia Nogueira é muito importante no exterior, mas no Brasil nunca viram suas obras. Sabem que existe, mas não tiveram uma boa representação de sua obra.”
O papel de Pérez-Barreiro nesta Bienal chega praticamente até aqui, o que é inédito em uma mostra em que o curador costumava ser o todo-poderoso. A fórmula da Bienal nas últimas décadas tinha sido a de uma grande exposição de obras reunidas por um curador que obedecia a uma temática. Nesta edição a temática é que não há temática, e em vez de uma exposição haverá sete mostras coletivas, organizadas não só por ele, mas por sete artistas. “Nos últimos 20 anos houve uma fossilização no mundo da arte em geral”, explica por telefone Pérez-Barreiro. “Todos os eventos tinham que ter um tema e os conteúdos tinham de ilustrá-lo. A abordagem era mais importante que as obras. Me parece uma experiência exaustiva, vendo o mesmo, escutando o mesmo. Eu queria me perguntar se não haveria outra forma de organizar isto.”
Daí o “Afinidades Afetivas”, que é uma mescla de As Afinidades Eletivas, o romance de Goethe, com a tese de doutorado do crítico brasileiro Mário Pedrosa, Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte. Mas só faz referência à relação dos artistas e do público com cada obra individual. Com isso, reuniu sete artistas, respeitando as proporções numéricas: um terço latino, um terço brasileiro e um terço internacional. Ou seja: o espanhol Antonio Ballester Moreno, o uruguaio Alejandro Cesáreo, a argentina Claudia Fontes, a sueca Mamma Andersson, os brasileiros Sofia Borges e Waltercio Caldas e a nigeriana-norte-americana Wura-Natasha Ogunji. “A única diretriz que lhes demos é: trabalhem com total liberdade”, insiste Pérez-Barreiro. “Se escolherem só artistas australianos me parecerá bom”.
Por isso este ano o tradicional anúncio de artistas que participam da Bienal será feito escalonadamente. Somente se conhece a seleção do curador: além dos quatro artistas já citados, um argentino, Alejandro Corujeira, e sete brasileiros: Bruno Moreschi, Denise Milán, Luiza Crosman, María Laet, Nelson Felix, Tamar Guimarães, Vania Mignone. Todos latinos. “Há 400 bienais no mundo e esta é a segunda. Temos que ter bem claro como vamos contribuir com o mundo”.
O guatemalteco Aníbal López (1964-2014) e o paraguaio Feliciano Centurión (1962-1996), estão na mostra por duas razões: além da homenagem a sua obra, a tentativa de salvar suas obras, que estão em condições precárias em seus países.
López, também conhecido por A-153167 (número de sua cédula de identidade), foi um dos precursores da performance em seu país (produziu vídeo, performance, live act e intervenções urbanas, entre outras formas de expressão) e tratou de questões como fronteiras nacionais, culturas indígenas, abusos militares e até do mercado de arte.
Já Feliciano Centurión, que viveu mais na Argentina, tratou do universo queer, e morreu de complicações decorrentes da AIDS aos 34 anos. Trabalhava com materiais como tecidos e bordados e se reapropriava de lenços e crochês comprados em feiras. Provinha de uma família de bordadeiras.
A goiana Lucia Nogueira (1950–1998) terá quase uma retrospectiva na bienal, com 25 a 30 obras. “Suas obras são muito poéticas e estranhas”, diz o curador. Ela desenvolveu sua carreira, fundada em esculturas e instalações, na Inglaterra. Segundo a curadoria, suas esculturas e instalações “subvertem o utilitarismo de objetos com um humor sutil, tanto pela associação inusitada entre elementos quanto pelo jogo semântico constantemente presente em seus títulos, criando uma atmosfera de estranheza e poesia”.
O argentino Alejandro Corujeira, a paulista Denise Milan, a carioca Maria Laet, a paulista Vânia Mignone, o carioca Nelson Felix, o paranaense Bruno Moreschi , a carioca Luiza Crosman, a fluminenseTamar Guimarães tem obras consagradas no Brasil.
Fonte: Portal Vermelho, com informações do El País e da CartaCapital