Breve balanço do mês de fevereiro permite constatar como a temática militar voltou à cena. Em diferentes perspectivas nacionais, os militares ganharam destaque impulsionado por governos neoliberais instalados nos Estados Unidos, França e Brasil.
Em geral, ao seguir a cartilha neoliberal e sem conseguirem sustentar o crescimento econômico concomitante com a ampliação de empregos decentes, apelam para o militarismo nas operações governamentais. Esperam, dessa forma, recuperar a queda contínua na credibilidade.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo Trump aprovou em dezembro passado, um conjunto de mudanças no sistema tributário que desonera a arrecadação federal em um trilhão de dólares, especialmente para as famílias ricas. O orçamento aprovado para o ano de 2018 contempla a sua elevação adicional de US$ 300 bilhões, sendo mais da metade para os gastos militares (US$165 bilhões), seguido de US$ 20 bilhões a mais para a infraestrutura, entre outros aumentos de caráter residual.
A desoneração tributária combinada com o aumento dos gastos públicos, sobretudo militares, implica déficit ainda maior nas contas públicas estadunidenses. Dessa forma, o governo Trump reafirma a doutrina de segurança militar com grande ênfase na venda de armamento ao mundo.
Na França, o receituário neoliberal também tem sido perseguido pelo governo Macron. De um lado, pelas reformas que reduzem a arrecadação tributária, especialmente sobre os ricos (corte no imposto sobre fortunas e tentativa de suspender o imposto sobre a propriedade) e, de outro, as medidas que diminuem as despesas sociais, como a reforma trabalhista, auxílio desemprego, política habitacional, acesso à universidade, entre outras.
No mesmo sentido que aprofunda o neoliberalismo sem conseguir progredir sustentadamente a economia e a geração dos empregos de qualidade, cai rapidamente a credibilidade do governo francês, assim como não se resolve o problema das contas públicas. Por conta disso, o tema militar ganhou relevância recente nas iniciativas de Macron, cujo objetivo é a recuperação do apoio da população.
Além de propor à União Europeia a criação de força militar compartilhada para reforçar a estratégia de defesa comum, lançou um plano dito estratégico de defesa que contempla, para o período de 2019-25, novas ações militares em terra, ar, mar e cyberespaço, com elevação significativa dos gastos e do efetivo a ser incorporado.
Dessa forma, o presidente francês concede apoio à indústria de defesa, à modernização no sistema de defesa militar e à ampliação do crédito para pesquisa de guerra. Internamente lançou ainda o Plano de Segurança do Cotidiano voltado às áreas consideradas inseguras da França, classificadas como sensíveis à delinquência.
No Brasil, o governo Temer persiste no funesto receituário neoliberal. As reformas implantadas até aqui, como a Emenda Constitucional 95 que congela por 20 anos os investimentos sociais, a reforma trabalhista e outras, são exemplo disso.
Por outro lado, os programas de isenção fiscal, de parcelamento e perdão das dívidas de diversos contribuintes (estados e municípios, empresas, produtores rurais e indústrias petrolíferas), podem diminuir a arrecadação federal até 2020 em cerca de R$ 322 bilhões.
Diante da prevalência do caos nas contas públicas e da ausência de crescimento econômico sustentável com elevação dos empregos de qualidade, a credibilidade do governo Temer segue irrisória e decrescente. Com a drástica decisão de intervenção militar no Rio de Janeiro, o Brasil foi surpreendido pelo novo foco governamental, não mais a reforma previdenciária, acompanhando, em certo sentido, o movimento recente dos governos neoliberais dos Estados Unidos e França.
A diferença, contudo, parece ser a desconstituição das Forças Armadas brasileiras, transformadas em mera polícia de ação interna. Algo já conhecido por experimentações na Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas no Rio de Janeiro, em 1992.
Nesses 24 anos de experimentações de intervenções pontuais das forças militares no Rio, o problema da violência não foi resolvido, pelo contrário. O uso político dos militares no Brasil pode estar a serviço do receituário neoliberal, cujo produto final resultaria no abandono da democracia, dando lugar ao autoritarismo.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)