Em nota, Comissão Pastoral da Terra (CPT) denuncia que a violência e repressão avançou no campo em 2017. De acordo com o balanço, o ano começou e terminou sangrento. “O contexto vivido pelos povos da terra, das águas e das florestas exigiu teimosia, resistência e questionamento sobre o papel do Estado, do modelo de desenvolvimento e das formas viciadas e distorcidas de construção de poder”, avaliou a entidade.
2017 de retrocesso: agricultura familiar está entre as áreas mais prejudicadas
A nota destaca que em 2017, porém, houve uma generalização da violência no campo, com retomada da antiga prática de chacina como método perverso de aniquilar todos os focos de resistência no campo. Exemplos são as chacinas de Colniza, no Mato Grosso, em abril, quando nove posseiros do assentamento Taquaruçu do Norte foram torturados e assassinados por pistoleiros a mando de madeireiros da região; a de Vilhena, em Rondônia, em maio, com três trabalhadores rurais mortos por lutar pela reforma agrária; o massacre em Pau D’Arco, no Pará, também em maio, no qual dez camponeses foram assassinados por policiais militares e civis; e o de Lençóis, na Bahia, em julho, em que oito quilombolas foram assassinados na comunidade de Iúna.
De acordo com dados parciais da Comissão, foram 65 pessoas assassinadas em conflitos no campo, em muitos casos com requintes de crueldade, índice que confere ao Brasil o título de país mais violento para as populações camponesas no mundo.
O efeito pós-golpe e a brutal retirada de direitos consolidou, em 2017, um sombrio ciclo de retrocessos políticos, conduzidos pelo conjunto das forças mais elitistas e reacionárias do país. Para a CPT, esse cenário penaliza principalmente as classes mais empobrecidas e a natureza, “o que que representa a materialização do golpe parlamentar de direita que teve por motivação não apenas a destituição da presidenta eleita, mas a subtração de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do país com o fim de garantir pleno poder econômico e poder político aos principais operadores do sistema: bancos, indústrias, agronegócio, construtoras, latifundiários e a grande mídia”.
A CPT avalia que as perspectivas são ainda mais sombrias para 2018, porque governo de Michel Temer reduziu em 35% os recursos para a agricultura camponesa e familiar, além de ter cortado mais de 56% dos recursos destinados à segurança alimentar e nutricional para o ano de 2018. Esse desmonte abre espaço para a fome e miséria, despertando o que há de pior.
Um projeto contra o povo
A CPT acrescenta ainda que mudanças na legislação, como a nova regularização fundiária, que alterou normas relativas à reforma agrária, especialmente a resolução que permite a venda de lotes após 10 anos da implantação do assentamento. Sem contar a redução progressiva do orçamento destinado ao setor e a demarcação de territórios tradicionais e o desmonte das políticas públicas destinadas às comunidades camponesas.
Sérgio de Miranda: Unidade e resistência são fundamentais para garantir direitos
E também critica ainda a redução dos recursos para a obtenção de terras em mais de 60% em relação a 2015, de 50% para a assistência técnica e extensão rural, os cortes no orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que chegou a ser inviabilizado em diversos estados devido à redução orçamentária da ordem de 66% de um ano para o outro.
Tempo de viver sem direitos
A violência e perversidade presentes no controle da terra e dos territórios não bastaram. A elite econômica que controla os três poderes do Estado ambicionou mais, e manobrou para que a legislação se ajustasse totalmente a seus interesses, de maneira ainda mais explicita e escancarada do que em outras ocasiões existentes na história política do País.
Logo no início de 2017 tivemos a vigência da Medida Provisória 759/2016, que alterou consideravelmente as normas relativas à Reforma Agrária no País. Tal iniciativa revela a essência deste momento político, com efeitos danosos e avassaladores para a Reforma Agrária. Entre os pontos mais perigosos está a resolução que torna possível comercializar lotes após 10 anos da implantação do assentamento. No mesmo passo, houve a redução progressiva do orçamento destinado à Reforma Agrária e a demarcação de territórios tradicionais, bem como o desmonte do conjunto de políticas públicas destinadas às comunidades camponesas.
Efeito Reforma Trabalhista
O estudo também olhou para os efeitos da Reforma Trabalhista, que entrou em vigor dia 11 de novembro de 2017 e abre caminho para a precarização geral do mundo do trabalho. A entidade lembra que essa reforma também atinge os trabalhadores e trabalhadoras do campo, com redução da remuneração, alteração das normas de saúde e segurança do trabalho, da organização sindical e dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho.
Leia íntegra da nota:
NOTA PÚBLICA – 2017: mesmo em meio à violência, é na resistência dos povos que mantemos a esperança na conquista da terra sem males
Também em 2017, a luta contra o trabalho escravo sofreu inúmeros ataques, todos no sentido de favorecer a bancada ruralista e anular o protagonismo brasileiro no combate ao trabalho escravo, reconhecido internacionalmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em outubro, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Portaria 1129/2017, que revogou a Lei Áurea, ao reduzir o conceito de escravidão contemporânea, retirando da fiscalização situações de condição degradante e jornada exaustiva. Outras aberrações presentes na Portaria foi a necessidade de registrar Boletim de Ocorrência Policial para instauração do processo de inclusão do empregador na Lista Suja, além de anistiar os empregadores que constavam em listas anteriores. A portaria teve seus efeitos suspensos no mesmo mês de sua divulgação, em face da decisão liminar da ministra Rosa Weber, nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental distribuída pelo partido político Rede de Sustentabilidade.
Graças à pressão de organizações da sociedade civil organizada e da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo, o Ministério do Trabalho e Emprego voltou atrás e publicou nova Portaria Interministerial, em dezembro de 2017. Recuando, o Ministério do Trabalho e Emprego atende ao conceito contemporâneo de escravidão, presente no Artigo 149 do Código Penal brasileiro, além de se adequar às convenções e pactos internacionais de Combate e Erradicação ao Trabalho Escravo. Contudo, é preciso estar de olho aberto com as modificações contidas na nova legislação trabalhista, que no lugar de trazer dignidade, trouxe precarização, exploração e mais desemprego aos trabalhadores e trabalhadoras.
O ano foi também de divulgação da Lista Suja do Trabalho. Publicada nos meses de março e outubro, a Lista Suja apresentou 67 e 130 nomes, respectivamente. Dentre eles, é possível encontrar a JBS Aves Ltda., subsidiária da JBS e outra gigante da agroindústria, a Sucocítrico Cutrale Ltda.
Além das perdas de direitos trabalhistas, a proposta de reforma da Previdência deixou a população em estado de alerta e de mobilização. Diversos protestos foram realizados com o objetivo de denunciar os graves impactos que
poderão ser causados caso a reforma da Previdência seja aprovada. Em dezembro, camponeses e camponesas ligados/as ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e ao Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) realizaram uma greve de fome por 10 dias na Câmara dos Deputados em Brasília, como forma de repúdio à reforma. Camponeses e camponesas colocaram suas vidas em risco na luta contra as assombrosas medidas que acabam com os direitos previdenciários enquanto deputados ignoravam os anseios do povo. Apesar de não ter sido aprovada em 2017, a votação da reforma será um grande risco para a população brasileira em 2018.
Tempo de viver sem Temer
Para enfrentar o quadro, o povo brasileiro com suas mais variadas pautas não se calou e fez história. Ocupou as ruas cotidianamente para denunciar os desmandos do Governo e ampliar as trincheiras para a superação das desigualdades, intensificadas nesse período. No campo, o que animou foi a pulsão de vida dos Povos da Terra, das Águas e das Florestas, bem como de suas organizações sociais frente ao contexto de Morte do Estado Brasileiro.
No campo, a esperança veio das principais vítimas de violência: as comunidades tradicionais, que desafiaram a ambição e o poder do agronegócio e do latifúndio, lutando pela permanência em seus territórios tradicionais, espaço de Vida e Diversidade. Muitos de seus processos de resistências cotidianas não apareceram na TV, nem nos jornais – que, como previsto, cumpriram o papel de disseminar a narrativa criada pelo pacto das elites.
Vários foram e são os sinais de luz e de resistências capazes de alumiar e alimentar a utopia de uma terra sem males: a experiência da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, que apresenta novas possibilidades de organização coletiva dos povos do campo; a construção de autonomia pelos diversos povos tradicionais do País, com experiências de autodemarcação de seus territórios; a articulação dos povos do Cerrado, que mesmo localizados em regiões distintas, conseguiram fortalecer a luta comum em defesa de um dos biomas mais ameaçados do País; a organização e mobilização das comunidades quilombolas de todo o Brasil para tentar barrar a aprovação da ADI 3239 no Supremo Tribunal Federal, que uma vez procedente paralisará a titulação dos territórios quilombolas em todo o País; o forte levante em defesa das águas, protagonizado pelo povo de Correntina, na Bahia, que denunciou os impactos do modelo de produção e irrigação que devasta o meio ambiente em benefício de poucas empresas ou latifúndios; a resistência de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, que por mais um ano mantiveram-se firmes embaixo da lona preta reivindicando a partilha da terra; as incontáveis experiências de produção agroecológica que cuidam da terra e cultivam a saúde do povo brasileiro, entre incontáveis outros exemplos.
Essas resistências experimentadas pelas Comunidades Camponesas e Tradicionais indicam um velho e novo caminho não somente de combate ao projeto de Morte das Elites e do Estado brasileiro, mas, principalmente, de construção de outras relações de poder, de vivência e autonomia que precisam ser urgentemente enxergadas. Por isso, 2018 é um ano que se inicia com o desafio de enxergarmos muito mais além das conquistas eleitorais. Motivados e motivadas pela memória subversiva do evangelho, é sempre tempo de seguir os ensinamentos de Jesus, que enviou seus discípulos para caminhar com as comunidades. Em meio às crises provocadas pelo Estado de Exceção e pelos podres poderes das elites, é tempo de colheita. É tempo colher os frutos de uma nova sociedade que está sendo gestada no meio das comunidades, no meio do povo.
12 de janeiro de 2018
Comissão Pastoral da Terra – Nordeste 2
Portal CTB