Em artigo publicado dia 30 de novembro no jornal O Dia (Atravessaram o samba), Carlos Thiago Cesário Alvim, presidente do Polo Novo Rio Antigo, deixa clara sua opinião de que a defesa do samba e da cultura, bandeira dos empresários e profissionais da região boêmia da Lapa, só deve ser respeitada se acontecer dentro das casas noturnas.
A roda de samba na Praça Tiradentes, de acordo com o artigo, incomoda os moradores da área; mas, ao que parece, incomoda muito mais os comerciantes.
Concorrência desleal ou uma nova demanda dos músicos e dos amantes do samba? A Lapa, famosa pela farta oferta de bares com música ao vivo, já há algum tempo vem sofrendo com a crise. Não há comércio que se sustente diante do aperto econômico que vivemos. Sem incentivos do poder público, que não abre mão dos impostos sem dar contrapartidas à altura, a manutenção dos empreendimentos exige malabarismos econômicos que fatalmente afastam os frequentadores, pois os preços se tornaram abusivos e fora da realidade do cliente corriqueiro que aprecia uma boa música.
Não está favorável para os empresários. Nem para os músicos. O couvert artístico, também com preço nada módico, não é transferido para os músicos integralmente, e não há transparência nos repasses dos valores auferidos no fim de uma noite de trabalho. Os cachês são cada vez mais diminutos e, não bastasse, há casos em que músicos têm que pagar pela água que consomem! Se não houver público, o músico paga para trabalhar, piso mínimo é inegociável.
Apesar das inúmeras notificações e fiscalizações, a informalidade do trabalho do músico impera, embora haja ferramentas legais para a sua contratação, mesmo em caráter eventual. Além disso, a maioria dos contratantes impõe um repertório único e raso, nada atraente para o músico, que muitas vezes é impedido de apresentar qualquer obra autoral.
São anos de depreciação do trabalho do músico; as queixas são recorrentes a ponto de diversos músicos hoje se recusarem a trabalhar na Lapa.
“Não queremos deixar o samba morrer”, diz o mais alto representante do Polo Novo Rio Antigo. No entanto, desafina ao depreciar o trabalho do sambista, do músico que mantém o incessável tilintar das garrafas de cervejas das casas.
O samba na Tiradentes é movimento de libertação, de coragem e disposição para fazer música com autonomia. O público que democraticamente o frequenta não é subtraído das casas da Lapa.
É necessária uma reflexão mais profunda que não inspire equívocos e que até mesmo evite que o público venha a rechaçar as casas da Lapa quando se relaciona o esvaziamento destas ao movimento na Praça Tiradentes, que ocorre duas vezes ao mês.
Será ingênuo quem crê que o fechamento da Estudantina e do Semente é decorrência do samba na praça, como sugere Carlos Thiago. A conjuntura político-econômica está colocando o povo nas ruas, seja pela falta de condições de moradia, seja pelas manifestações diárias por direitos arrancados na marra, seja pela busca alternativa de trabalho.
Apesar da feroz resistência dos gestores públicos, felizmente as rodas de samba estão ocupando diversos espaços públicos, permitindo uma interação direta com o povo, tirando a triste ociosidade de praças e fomentando significativamente a economia informal, já que a formal nos vem sendo negada.
Não defendemos a desordem. Que as ocupações sejam organizadas, afinadas com os ditames legais e dentro dos limites e do respeito entre os frequentadores e os moradores. Rogamos que não haja a repressão violenta das autoridades, como ocorreu recentemente, que rejeita o diálogo, que ignora leis e o direito de ir e vir do cidadão.
Basta de violência. Que nos permitam, com a música, dar ao Rio espaços e momentos de alento.
Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro. Foto: Facebook do grupo Moça Prosa