Para o juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Guarulhos (SP), a resposta é sim.
O magistrado absolveu um pai que espancou sua filha de 13 anos com um fio elétrico, depois de descobrir que ela havia perdido a virgindade. Não bastasse o sofrimento físico (foram oito lesões nas costas, com até 22 cm) também lhe cortou os cabelos, justificando o ato como uma maneira de impedir que ela saísse de casa. Intencionalmente ou não, cortar os cabelos de uma pessoa provocando à força alteração desfavorável em sua imagem, causa danos a sua autoestima e configura-se em um atentado à integridade física.
Na sentença, o juiz sustentou sua decisão na tese de que o progenitor apenas quis corrigir a menina: “O agente aplicou moderadamente uma correção física contra a sua filha, gerando uma lesão de natureza leve. Ele também disse que caso tivesse um filho e ele cometesse o mesmo ato que a menina, tomaria a mesma postura”. Para ler a denúncia e a sentença na íntegra, clique aqui.
É preciso refletir e tecer algumas considerações.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), delimita em seu Art. 2º “… adolescente (é) aquela (pessoa) entre doze e dezoito anos de idade”; adiante conceitua o direito ao respeito, Art. 17.: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”
O progenitor – notadamente fruto de uma cultura patriarcal – certamente tem justificativas (que a ele fazem sentido) para cometer os atos violentos constatados. No entanto, a sentença proferida pelo magistrado não foge da lógica vigente. O processo legal que deveria auxiliar a sociedade a avançar, ou seja, proteger a garota e atribuir alguma correição ao agressor, tomou rota contrária: tornou a vítima culpada, responsável pelo acontecido.
A culpabilização da vítima é fenômeno muito comum que ocorre contra as mulheres. Geralmente, a mulher é vista como responsável pela violência, seja porque provocou o homem ou, de alguma forma, não se comportou da maneira esperada socialmente. É recurso largamente utilizado para justificar violências físicas ou morais, nos ambientes domésticos ou corporativos.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, considerou a violência contra a menina espancada também como de gênero e vai recorrer da decisão, o processo corre em segredo de justiça. Cabe a nós, por outro lado, nos capacitarmos para entender todas as faces da violência para corretamente identificá-las e combatê-las.
Cristiane Oliveira é secretária-executiva, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho, assessora da Secretaria-Geral da CTB.
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