Há 44 anos, coincidentemente a idade desse que vos escreve, a única revolução socialista realizada através do voto em todo o mundo foi golpeada de morte, e consequentemente apeada do poder pelas garras gananciosas e assassinas do imperialismo estadunidense.
No dia 11 de setembro de 1973 a experiência democrática vitoriosa da Unidade Popular, liderada pelo presidente Salvador Allende, foi derribada do poder através de um golpe militar, patrocinado pelos Estados Unidos através da CIA e outras entidades golpistas, inimigas de todas as democracias constituídas pelo mundo, tendo como títere o traidor do povo chileno, general augusto pinochet, um dos maiores canalhas que pisaram terras andinas.
“A economia e o povo chileno têm de sangrar”, gritavam as insidiosas vozes de Washington, através das figuras sinistras de Nixon e Kissinger, respectivos presidente e chefe do Departamento de Estado do país que se acha no direito de interferir nas soberanas decisões das democracias alheias, assim como fizeram também no Brasil.
Nesse dia 11 de Setembro devemos lembrar o heroísmo de Allende, que resistiu, lutou e pagou com o preço de sua vida, heroicamente honrando o mandato que o povo chileno lhe concedeu.
Nesse 11 de setembro, como historicamente o campo da esquerda é humanista, lamentamos as vítimas que padeceram sob os escombros das Torres Gêmeas implodidas no centro de Nova Iorque, mas lamentamos muito mais as milhares de vidas ceifadas pela ganância do imperialismo através de golpes contra as democracias por todo o mundo.
Nesse 11 de Setembro eu me reservo o direito de respeitosamente não me solidarizar à dor do país que patrocina o caos e golpes pelo mundo, mas presto toda a solidariedade à memória do presidente Salvador Allende, à experiência vitoriosa da Unidade Popular e sua revolução socialista no Chile, minha homenagem a todo o povo chileno.
“Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.
Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força.
A história é nossa e a fazem os povos.
Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.
Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.
Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista.
Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos. A historia os julgará.
Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.
Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se.
Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.”
(Último discurso de Salvador Allende, momentos antes de seu desaparecimento durante a heróica resistência democrática no Palácio de La Moneda).
Salvador Allende Gossens, presente! Valparaíso, 26 de junho de 1908 – Santiago do Chile, 11 de setembro de 1973.
Título original: Não se detêm os processos sociais nem com o crime, nem com a força
Diógenes Júnior é Assessor de Comunicação Social e Sindical, historiador independente, ativista político e dos Direitos Humanos, militante do PCdoB e pai do Fidel.
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