Renata Vasconcellos, Roberto Irineu Marinho e William Bonner no novo estúdio do ‘Jornal Nacional’
Nesta segunda-feira, 19 de junho, o Jornal Nacional foi um pouco diferente. A inauguração das novas dependências e do cenário do JN deram um tom de autocelebração ao noticiário noturno da Rede Globo de Televisão.
Um novo estúdio, de 1370 m2, com 189 profissionais, 18 ilhas de edição, câmeras robóticas, e toda uma parafernália tecnológica foi apresentada para tentar convencer o telespectador de que o compromisso do Jornal Nacional e da Rede Globo é com o jornalismo, com a “verdade” e com o Brasil. Tudo foi feito “pensando em gente e a serviço da informação” diz a reportagem.
Para dar pompa e circunstância à cerimônia eletrônica de inauguração, um púlpito no centro do estúdio foi ocupado pelo mais velho dos herdeiros e atual presidente do Grupo Globo, Roberto Irineu Marinho.
Lendo nas entrelinhas
O diretor de jornalismo, Carlos Henrique Schroder, disse que o Jornal Nacional “ajuda a mudar a vida do brasileiro”. Taí uma verdade, o problema é que a mudança que eles defendem e promovem não é para melhorar a vida de todos, ou não é mudar para melhor. Nem precisamos buscar casos emblemáticos na história de 48 anos do jornal para perceber isso. Basta olhar a posição do JN, hoje, sobre dois temas fundamentais para “o brasileiro”: a Reforma da Previdência e Trabalhista.
A emissora dos Marinho defende abertamente a aprovação do projeto que acaba com o direito de os trabalhadores terem acesso à aposentadoria e do projeto que acaba com os direitos trabalhistas garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Levantamento da ong Repórter Brasil mostra que entre os dias 20 e 30 de abril, 77% das notícias do JN foram favoráveis à Reforma Trabalhista. Do total de 11 minutos e 8 segundos analisados, 2min31s “pode ser considerada desfavorável ao projeto”. A reportagem em questão foi ao ar no dia da greve geral, 28 de abril, depois de todo um dia de criminalização da luta dos trabalhadores. Acesse aqui para ver o estudo da Repórter Brasil.
O presidente do Grupo Globo, Roberto Irineu Marinho, num raríssimo caso de exposição da família na emissora, defendeu suas empresas, a missão e os princípios que as norteiam. Não mentiu, mas manipulou. Aliás, como muito bem nos ensinou o jornalista Perseu Abramo em sua obra “Os padrões de manipulação da grande imprensa” há quatro padrões principais utilizados pela grande imprensa para manipular a informação: ocultação, fragmentação, inversão e indução. Os quatro foram usados na “reportagem” e pronunciamento da Globo sobre a Globo, numa tentativa – aparentemente desesperada – de reafirmar perante aos telespectadores sua credibilidade, em meio ao que provavelmente seja a maior crise que a emissora já viveu.
Roberto Irineu Marinho reitera que o principal compromisso de sua família é a continuidade dos negócios e dos “nossos princípios editoriais”. Em nenhum momento ele expõe quais princípios sejam estes, mas pela sua história, trajetória e comportamento a gente já sabe (defesa dos interesses de uma elite econômica, do estado mínimo para garantir a ampla mão invisível do mercado, a redução dos direitos sociais, muito dinheiro público para a iniciativa privada – particularmente para a própria Rede Globo e, claro, o descaso com a democracia e o apoio a golpes para garantir que os interesses anteriores sejam mantidos).
O presidente das organizações Globo mostrou que não tem muita intimidade com o microfone e com as câmeras. Fez uma participação sofrível no seu telejornal, mas passou de forma enfadonha o recado político que queria: “Cuidar da saúde do grupo de empresas e do exercício de sua missão e princípios para entregá-las saudável à próxima geração que continuará a mesma tarefa. Somos e queremos continuar sendo uma empresa familiar”, disse.
Roberto Irineu foi ao ar para dizer que os Marinho não vão abandonar a ambição de ser o grupo mais poderoso de mídia do Brasil. De continuar a exercer o poder político que o ambiente monopolista da radiodifusão lhe garante.
E faz isso agora, justamente, para tentar minorar os revezes (momentâneos ou não) que sofreu no último período: a por enquanto frustrada tentativa de derrubar Michel Temer, a perda da hegemonia na transmissão de jogos de futebol (seja dos campeonatos regionais, seja da seleção), a perda de audiência, o fortalecimento de novos grupos de mídia (Google, Facebook, Netflix e outros) que colocam em xeque o modelo tradicional de negócios do Grupo Globo.
O momento é delicado, para o Brasil e para a Globo
O Brasil precisa reencontrar o caminho para restaurar a sua democracia, através da soberania do voto popular; adotar uma política econômica que leve ao crescimento interno e à geração de emprego e renda, com capacidade de investimento público e garantia de direitos sociais e trabalhistas; recuperar a política externa altiva e ativa que, combinada com a agenda interna, proporcione o fortalecimento da nossa soberania nacional.
Já, o Grupo Globo precisa, nas palavras de seu presidente, “preservar e garantir a continuidade do nosso grupo de empresas”. Para isso, precisa trabalhar para que o país aprofunde a agenda neoliberal na economia, com profundo ajuste fiscal, redução dos investimentos públicos em áreas sociais e manutenção de uma política de juros que alimente o setor financeiro, reduzir direitos trabalhistas para ampliar a margem de lucro das empresas e precarizar as relações de trabalho de forma a reduzir o chamado “custo Brasil”, investir na desregulamentação da economia para manter privilégios e a concentração econômica.
Nos 92 anos de existência do Grupo Globo, iniciados em 1925 com a fundação do jornal O Globo, praticamente não há um episódio sequer da história do país em que a posição da família Marinho tenha sido tomada em prol da democracia, da liberdade, da soberania ou da melhoria da vida do povo brasileiro. Pelo contrário, são 92 anos em defesa do poder econômico e da elite política conservadora. O Jornal Nacional levou essa linha editorial para a tela da TV e ampliou de forma avassaladora o poder da empresa. Não seria agora que eles iriam mudar de posição.
Como disse sabiamente o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, quando estamos perdidos diante da conjuntura política olhe para a posição das empresas monopolistas da mídia. Elas nos servem de bussúla. Se estão indo para o norte, então não há dúvida, nosso caminho é para o sul.
Renata Mielli é Jornalista, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Artigo originalmente publicado em sua coluna na Mídia Ninja.
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