Crise global iniciada em 2008 traz consigo a semente de uma nova possibilidade de transformações dos entraves nacionais: o crescente movimento social de basta ao atraso recessivo e às reformas regressivas.
Do ponto de vista histórico, os principais períodos de mudanças estruturais na sociedade brasileira não resultaram de rupturas decorrentes do progresso técnico. O contrário, todavia, do que se pode constatar em outras sociedades como a inglesa, a estadunidense e a alemã, se tomadas como exemplos.
Desde a segunda metade do século 18, com o salto proporcionado pela primeira Revolução Industrial e Tecnológica, produtora da mecanização assentada na indústria têxtil – com a introdução do tear mecânico –, além da ferroviária e naval – com o motor a vapor –, o Reino Unido se transformou profundamente. O progresso tecnológico trouxe para a sociedade de lá repercussões internas e externas, o que permitiu, por exemplo, levá-la a ocupar inédita posição de hegemonia no sistema capitalista em formação mundial.
Mais de cem anos depois, com o avanço significativo da segunda Revolução Industrial e Tecnológica patrocinado pela introdução da energia elétrica, petróleo, motor a combustão, entre outros, os Estados Unidos e Alemanha percorreram superior trajetória do desenvolvimento incontestável. Tanto assim que a acirrada disputa entre as duas nações para substituir a antiga posição hegemônica no centro do capitalismo mundial exercida pelo Reino Unido até o início do século 20 evolui para duas grandes guerras mundiais (1914 e 1939).
No caso brasileiro, os dois principais períodos de mudanças estruturais não se encontram associados à determinação do progresso tecnológico. Pelo menos é o que se pode constatar nas décadas de 1880, quando a antiga sociedade escravista foi superada pelo ingresso do modo de produção capitalista, e de 1930, com a passagem da primitiva sociedade agrária para a urbana e industrial.
O elemento histórico diferencial presente nos dois períodos de mudanças estruturais no Brasil foi o caos econômico, político e social interno trazido por crises capitalistas de dimensões mundiais. Destaca-se, assim, a repercussão mundial protagonizada tanto pela longa depressão inglesa de 1873–1896 como pela Grande Depressão estadunidense de 1929–1939, que impactaram decisivamente a sociedade brasileira.
Nesse sentido, a situação de desorganização e descrédito gerado pela monarquia escravista (1822-1889) ao longo da década de 1880 possibilitou a formação de uma nova maioria política capaz de reorganizar a sociedade no Brasil em inédita base econômica capitalista. Com a abolição da escravatura (1888), a mudança no regime político consagrado pela instalação da República (1889) e a nova Constituição (1891), o país construiu por mais de quatro décadas uma singular sociedade de competição.
Da mesma forma, a crise política e social da economia cafeeira terminou sendo superada pelo movimento de modernização inaugurado com a Revolução de 1930. Com o desenlace do projeto nacional desenvolvimentista a partir de então, o atraso agrarista começou a ser ultrapassado pela moderna sociedade urbana e industrial consolidada entre as décadas de 1930 e 1970.
Em certo sentido, a atualidade da crise global iniciada em 2008 e que se espraia pela economia e sociedade brasileiras, com crescente descrédito nas instituições e no sistema político, traz consigo a semente de uma nova possibilidade de mudança estrutural. O crescente movimento social de basta ao atraso recessivo desorganizador interno da economia e às reformas regressivas na sociedade brasileira pode se constituir no bálsamo transformador dos entraves nacionais.
Para tanto, há necessidade da formação de uma nova maioria política capaz de agregar os diversos segmentos sociais em torno de um projeto de nação que seja contemporâneo dos requisitos econômicos de modernidade. Eis, então, o desafio maior da liderança a ser construída no interior da heterogênea oposição que se levanta contrária ao governo Temer.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas. Foto: GGN
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