O fenômeno da terceirização vem ganhando corpo nas últimas quatro décadas no mundo globalizado. Já no início da década de 1990, especialmente no Brasil, chamava-se a atenção para o desvirtuamento do vocábulo. O termo inglês original outsourcing – busca de suprimentos (fornecimento vindo de fora) – contemplava uma estratégia relacional para aumentar a produtividade e a qualidade do produto final, de modo a garantir maior competitividade no mercado, baseada no conceito de parceria (partnership) com o próprio mercado e com os trabalhadores. Pouco a pouco, a estratégia se mostrou como um novo formato de acumulação de curto prazo, especialmente pela redução de custos em cima da redução de mão de obra e desobrigação de encargos trabalhistas.
Ao contrário da ideia de modernização, acompanhando a ideologia da globalização internacional da economia, a terceirização assume uma condição, profundamente contraditória, de provocar retrocessos, tanto nas relações com o mercado (competição predatória), quanto nas próprias corporações (demissão de quadros qualificados). A rigor, mesmo antes da Lei 13.429, de 31/03/2017 (Lei da Terceirização), atividades de maior complexidade, com alta especialização e qualificação técnica, diretamente relacionadas à atividade-fim, vinham sendo terceirizadas, burlando a jurisprudência e o senso comum de só terceirizar atividades periféricas ao “core” empresarial (essência do processo produtivo).
Constituía-se, pouco a pouco, a “focalização”, conforme alertava o Dieese, em 1993, “concentrar as atividades naquilo que é o segredo do negócio da empresa, no que ela faz bem, no que a diferencia frente à concorrência, frente aos consumidores, frente à população. O que estiver fora do ‘foco’, em princípio, pode ser terceirizado.” (p. 6).
Ocorre que o cerne da questão não parece ser o da otimização do negócio. Tudo indica que o sucesso da terceirização, ao ponto que chegamos, hoje, com a nova Lei, é quebrar a ossatura da representação sindical dos trabalhadores na arena do conflito capital-trabalho. Na década de 1990, uma grande pesquisa feita com centenas de fábricas na Inglaterra observou que quanto menor o número de trabalhadores, menor a capacidade de reivindicar e ir à greve. Era a senha para terceirizar cada vez mais e retirar a capacidade de luta dos sindicatos. Vemos isso hoje, com bastante clareza, na área bancária, de saúde, educação, funcionalismo público e, também, no setor industrial. Somam-se, ainda, à terceirização, as demais estratégias de acumulação: divisão internacional do trabalho, automação e manutenção do desemprego estrutural, entre outras.
Outro aspecto que deve ser lembrado é o da “quarteirização” ou “terceirização da terceirização”, ou seja, a subcontratação de outras empresas pelas empresas terceirizadas, não só para atender às suas próprias atividades, como também às atividades de sua contratação original como terceira. A Lei da Terceirização oficializa essa prática. O fim da linha dessa corrente se anuncia com a chamada “pejotização”, transformar o prestador de serviço individual em pessoa jurídica, como sendo uma empresa. Além disso, os 5 milhões de MEI – Microempreendedores Individuais, hoje, no Brasil, prenunciam um capitalismo sem luta de classe, ou para ser mais ameno, sem conflito capital-trabalho.
Sem catastrofismos, é factível afirmar que a perspectiva é de maior desemprego, em que a competitividade do mercado será transferida ao nível individual, com repercussões na vida social nem de perto dimensionadas. Nesse cenário, não é difícil prever o que será feito da saúde do trabalhador. Se, com a regra trabalhista aplicada às empresas com maior capacidade de investimento, a situação já é caótica, com a pulverização em terceiras, quartas, quintas, “pejotistas” e MEIs, o Estado deverá se eximir de vez dessas questões, reservando-se a recolher os mortos e receber os feridos do mundo do trabalho nos serviços de saúde. Sinteticamente, podemos classificar as consequências sobre a saúde do trabalhador em três níveis: desproteção dos trabalhadores informalizados (desregulamentação); desmobilização dos trabalhadores organizados (ameaça de desemprego); e “desresponsabilização” empresarial (transferência de riscos).
Com a nova Lei, é muito provável que haja uma aceleração da contratação, a custos menores, de mão-de-obra com baixa qualificação e escasso treinamento para operar processos de trabalho complexos, que envolvam riscos de acidentes industriais e ambientais ampliados. Parece que não é só a saúde do trabalhador que está em risco, mas a população brasileira como um todo.
Luiz Carlos Fadel é pesquisador do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (Dihs/ENSP/Fiocruz) e um dos coordenadores do Fórum Intersindical Saúde – Trabalho – Direito.
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