O caos experimentado pelo Espírito Santo nos últimos dias – e que possivelmente (e infelizmente) será experimentado também em outros estados brasileiros – tem sido atribuído não aos policiais que deixaram de sair às ruas, mas às suas esposas.
Diz-se que a paralisação decorreu de um protesto iniciado por oito companheiras de policiais militares, que se mobilizaram através de um grupo no WhatsApp e resolveram impedir que seus maridos saíssem do quartel, em protesto por melhores salários e condições de trabalho para seus maridos.
Suponhamos que acreditemos nisso. Pergunto: essa paralisação teria continuado se os policiais de fato quisessem trabalhar? Quais seriam as consequências de uma possível desobediência? Spray de pimenta? Porradaria com rolos de macarrão? Divórcio coletivo?
Não forcem. Ninguém é capaz de impedir que policiais militares façam coisa nenhuma, nem mesmo suas companheiras.
Temos a polícia que mais mata no mundo, e é quase engraçado – beira o patético, na verdade – pensar que os policiais militares que atacam estudantes e professores com sprays de pimenta e experimentam o poder em suas nuances mais sórdidas estão presos no quartel porque suas esposas os impedem de sair.
Ainda que estas mulheres tenham iniciado o protesto, seus maridos são coniventes – no mínimo – com a própria paralisação, e seria corajoso da parte deles admitir isso.
A despeito da vedação constitucional do direito à greve para militares, receio que nenhum tipo de controle advém das leis. Todo controle parte do conformismo diante das leis. O poder não está em leis ou tratados: está no povo (falta que o povo perceba isso, é verdade, e falta, sobretudo, que os policiais percebam que também são povo).
Uma lei, portanto, qualquer que seja, só faz sentido e só funciona quando as pessoas se conformam com ela (nota: não se conformar com leis injustas).
Quando nos conformamos, abdicamos de nossos direitos mais primários – salários dignos e boas condições de trabalho, por exemplo – por medo.
Será mesmo que com articulação séria e um pouco de coragem, não seria possível vencer a barreira da vedação constitucional? Que alternativa restaria ao governo senão negociar?
Policiais Militares são trabalhadores. E, como trabalhadores, têm o direito de exigir salários dignos e boas condições de trabalho, mas há muitas maneiras de se conquistar direitos: lutando por eles, por exemplo.
Coragem não é o forte de policiais militares, que em geral se escondem atrás de suas fardas e pistolas calibre 38, então é melhor culpar as mulheres, que, desde a caixa de Pandora, são culpadas por tudo, mesmo.
Quando mulheres não estão sendo violentadas por homens, estão sendo usadas em prol de seus interesses (ou ambas as coisas). Usadas para acobertar sua covardia – como Marcela Temer, usada para “neutralizar” a imagem medonha do ilegítimo – e para protegê-los das consequências de seus atos.
Temo sinceramente que os Policiais Militares – no Espírito Santo e no resto do Brasil – se deem conta de que não precisam usar suas companheiras como escudos. De que detém o poder não só contra a população vulnerável (porque deste poder eles estão mais do que cientes), mas também contra o Estado.
Temo que, na situação limite em que se encontra a nossa democracia, os militares percebam que o poder está nas mesmas mãos que seguram as armas.
Enquanto isso não acontece, expõem o Espírito Santo ao caos e expõem a si mesmos ao ridículo.
Nathali Macedo é colunista do Diário do Centro do Mundo, autora do livro “As Mulheres que Possuo”, feminista, poetisa, aspirante a advogada e editora do portal Ingênua.
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